Sello Oração E Caridade

Respeitável Loja de São João

Oração e Caridade nº 22

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Classe Secreta

 

Fonte original:
Textos de Formação
Gran Priorato Rectificado de Hispania
Autor:
Sereníssimo Grão-Mestre/Grão-Prior
Diego Cerrato
Tradução:
BAI Aurélio Prosdócimo

O REGIME ESCOCÊS RETIFICADO E SUA MISTERIOSA “CLASSE SECRETA”

Por Diego Cerrato

“Não confundam a Ordem sublime, secreta, primordial e fundamental com a Ordem dos Cavaleiros Maçons da Cidade Santa, nem com a Ordem dos Cavaleiros Templários.
Todas essas surgiram a partir dessa Ordem oculta.
A Maçonaria deve sua existência a ela, e estamos aqui, entre a iniciação simbólica e a iniciação perfeita, para auxiliar aqueles aos quais a Divina Misericórdia chamou a ascender até essa Ordem primordial.”
(Instrução do Escudeiro Noviço, 1790)

 

O Regime Escocês Retificado é uma estrutura composta por três classes distintas: duas ostensivas, sendo a Classe Simbólica ou Maçônica e a Classe Cavaleiresca ou Ordem Interior, e uma não ostensiva conhecida como Classe Secreta (Profissão e Grande Profissão). As duas primeiras são bem conhecidas, mas a terceira sempre esteve envolta em um halo de mistério. Apesar das diversas publicações de textos doutrinários que supostamente estão sob sua competência, ela sempre operou e opera com prudência e sigilo.

A “Ordem sublime, secreta, primitiva e fundamental” é a origem do Regime Escocês Retificado.

Esta Classe Secreta, contudo, foi e continua sendo a “Pedra Angular” do Regime Escocês Retificado, seu “Coração espiritual”, o “Conservatório da Doutrina” que orienta o conteúdo ritual de todos os graus e dá sentido à Iniciação que a Ordem Retificada transmite e opera, constituindo seu pilar fundamental conforme foi estabelecido e desejado por Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824) e aqueles que o assistiram, resultando nos Conventos Fundacionais de 1778 em Lyon e 1782 em Wilhemsbad. O objetivo desta Classe Secreta era iniciar os Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa considerados dignos ao “conhecimento dos mistérios da antiga e primitiva Maçonaria e receber a explicação e o desenvolvimento final dos símbolos e alegorias maçônicas [1].

Essa transmissão espiritual e doutrinária conecta a Ordem Retificada com a “Alta e Santa Ordem” [2], “Ordem sublime, secreta, primitiva e fundamental”, cuja origem se perde na noite dos tempos [3], de onde se origina a verdadeira linhagem da “antiga e primitiva Maçonaria”. Conforme reconhecido pelo padre Robert Amadou (1924-2006), também participante dessa sagrada Tradição, todo o Regime não foi mais do que a construção por parte de Willermoz de um conservatório seguro que, na medida do possível, desse continuidade a essa linhagem espiritual recebida através de Martines de Pasqually e sua Ordem dos Cavaleiros Maçons Élus Cohen do Universo:

“A finalidade de Willermoz era preservar a doutrina da qual Martines de Pasqually tinha sido, segundo este último o ensinara, apenas um dos sucessores; manter, quando a Ordem dos Élus Cohen estivesse em perigo, a verdadeira Maçonaria segundo o modelo que Martines de Pasqually lhe revelara como arquétipo e que garante uma conformidade doutrinal com a doutrina da reintegração [4].”

E para isso, toda a arquitetura da Ordem Retificada em suas classes ostensivas está orientada para formar e preparar dignos depositários para a transmissão dos “mistérios da antiga e primitiva Maçonaria”:

“Tem como objetivo: zelar pela integridade e promover a cultura do depósito inerente à Sagrada Ordem primitiva, que existe desde sempre e que a Ordem dos C.B.C.S., nascida de uma dupla tradição maçônica e cavaleiresca, encarna no presente.

Pois os quatro graus simbólicos do R.E.R. (aprendiz, companheiro, mestre e mestre de Santo André) e as duas classes da Ordem interna (Escudeiro Noviço e C.B.C.S.) buscam formar e empregar depositários de confiança, cada um de acordo com o grau e a abertura que desfruta. O Grande Professo é um depositário geral de toda confiança. (…) Por direito e por dever, e eminentemente, cabem aos Grandes Professos as tarefas que o cuidado da Ordem requer com a moderação de todos os Maçons Escoceses Retificados e de todos os C.B.C.S. Vigilantes e Guardiões, também especulam e motivam, favorecendo a pesquisa e as reflexões sobre o depósito, encorajando seus adeptos.” [5]

Gênese e Transmissão da Classe Secreta

Em uma carta para Charles de Hesse-Cassel, datada de 12 de outubro de 1781, Willermoz fornece ao príncipe as indicações essenciais relacionadas à criação das Instruções da Profissão, conforme explicado por Paul Paoloni em um excelente trabalho de pesquisa [6]:

“Willermoz começa evocando sua entrada na Ordem Cohen… no início do ano de 1767; seu progresso dentro dela, com os seis primeiros graus, culmina com sua recepção no grau de Réau-Croix, o sétimo e último, um ano depois – com o poder de conferir os graus inferiores, poder do qual ele só fez uso a partir de 1762, ao receber seu irmão médico e pouco depois os Irmãos Paganucci e Périsse du Luc. Ele explica então o conceito do Regime Escocês Retificado: a inserção do ensinamento contido nos primeiros graus Cohen (exposto por Martines em seu Tratado sobre a Reintegração…) nas Instruções da Grande Profissão, da qual esse ensinamento é sua base essencial. Ele afirma que foi o “único autor e o principal redator” dos graus da Profissão, embora o ensinamento “não seja absolutamente uma invenção minha; eu o extrai dos conhecimentos que adquiri na Ordem…” dos Cohen.”

Segundo Alice Joly [7], a Classe Secreta da Profissão formava, desde o início, a parte mais essencial da estrutura do Regime Escocês Retificado quando foi fundado no Convento de Lyon em 1778, embora as instruções tenham sido finalizadas após esse Convento:

“Os graus característicos da Profissão, classe misteriosa adicionada aos graus ostensivos da Ordem Retificada, onde o segredo da Maçonaria primitiva era guardado, já haviam sido estabelecidos antes da reunião de 1778; mas tudo estava em esboço. Quando os congressistas se dispersaram, Willermoz, com a ajuda de seus colaboradores, teve que dar o toque final aos regulamentos e estatutos, assim como às instruções da Profissão simples e da Grande Profissão.”

Um texto de Bernard-Frédéric de Turckheim (1752-1831) [8], que resume uma carta de Willermoz datada de Lyon em 10 de março de 1780, confirma que a instrução da Classe dos Grandes Professos já havia sido escrita muito antes do Convento de Wilhemsbad [9]:

“As instruções da Grande Profissão estão escritas; é proibido alterar uma única palavra: os princípios são geralmente conformes com a doutrina dos… [Cohen].”

Esta Classe Secreta, que por sua natureza não podia ser revelada abertamente, nem mesmo insinuar quais membros a compunham, foi apresentada com grande discrição no Convento das Gálias realizado em Lyon em 1778 [10], mas mais tarde voltaria a se ocultar, permanecendo como um projeto (embora já fundada e constituída) no Convento de Wilhemsbad em 1782, para ser oficialmente estabelecida “quando chegar o momento”, evitando assim a curiosidade daqueles que não estavam em condições de serem recebidos nela. O que está claro é que todo o Regime Retificado emana desse núcleo central, sem o qual não teria sido possível sua fundação, pois é a doutrina que Willermoz coleta e transmite nesta classe que vai revestir e adequar a estrutura ritual da Estrita Observância Templaria, levando à sua retificação:

“Willermoz inseriu esses conhecimentos por doses sucessivas e crescentes no ritual de graus da Estrita Observância Templaria, depois de ter contribuído com o mínimo de correções que o conteúdo impunha. É verdade que a Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa incorporou a forma da Estrita Observância Templaria mais estreitamente do que frequentemente se supõe, mas mudando seu espírito, substituindo a Doutrina da Reintegração de Martines de Pasqually pela ideologia templária.” [11]

Esta Classe Secreta foi, como mencionado, efetivamente fundada e constituída após a celebração do Convento de Lyon em 1778, tornando assim o Regime completo em suas três Classes (Maçônica, Cavaleiresca e Secreta de Professos e Grandes Professos):

“A Grande Profissão, simultaneamente à Profissão dos Colégios metropolitanos, foi instituída quando foi criada a Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa, no Convento nacional das Gálias em Lyon em 1778.” [12]

“…foram instituídos sete Colégios de Grandes Professos entre as principais Lojas Escocesas que aceitaram as condições do Convento de Lyon. Na França, na Itália e até na Alemanha, a Classe Secreta contava com mais de sessenta membros em 1782. O primeiro Colégio, em data e importância, foi o Colégio Metropolitano de Lyon. Tinha onze membros em 1778, em sua fundação, e vinte em 1781.” [13]

Mas, no Convento de Wilhemsbad, como mencionamos, obrigado por grandes reservas, a Classe Secreta deixou de existir “oficialmente” [14], devido à necessidade aumentada de mantê-la oculta, apesar de permanecer muito ativa desde o início no Colégio Metropolitano de Lyon, conforme confirmado por Willermoz nesta carta dirigida ao Príncipe Charles de Hesse-Cassel em 10 de setembro de 1810:

“Uma das coisas que mais me consolou no meio de tantas calamidades foi ter tido a sorte de preservar os arquivos, especialmente os do Colégio Metropolitano da França, sediado em Lyon; ou seja, as instruções e documentos da classe secreta dos Cavaleiros Grandes Professos e várias notas científicas e históricas que me foram confiadas privadamente por Vossas Altezas em Wilhelmsbad. É graças a esta classe, último grau na França do Regime Retificado, pouco difundido, em toda parte desconhecido, e cuja existência é cuidadosamente ocultada desde o início a todos os Cavaleiros não reconhecidos como dignos ou capazes de serem admitidos nela com proveito, que se deve a prosperidade do regime do qual falei anteriormente. Ela é aquela que em tempos turbulentos pode ser a salvaguarda e conservadora dos princípios fundamentais da Ordem, que eu espero que lhe serão devolvidos em breve em todo o seu esplendor, como também pode tornar-se sua tumba onde for entregue a homens leves e despreocupados, para quem a embalagem é tudo, e que nunca penetram até o núcleo.”

Ele também destaca as grandes dificuldades que surgiram na França com a revolução a partir de 1789, que acabaria levando gradualmente à Ordem Retificada cessar suas atividades no país que a viu nascer, no entanto, sua transmissão mais valiosa pôde continuar:

“Assim, em 29 de maio de 1830, Joseph-Antoine Pont, Eques a Ponte Alto, e conforme suas próprias palavras, ‘Visitador geral depositário de confiança do falecido ab Eremo, que era depositário geral e arquivista da IIª província, tornando-se após sua morte o único depositário legal do Colégio metropolitano estabelecido em Lyon’; constatando ‘a inatividade e a suspensão indefinida dos trabalhos do referido Colégio metropolitano’; considerando que ele é ‘o único grande dignitário da Ordem que subsiste desse Colégio e que é tão importante quanto urgente providenciar o restabelecimento de um colégio’; tendo em vista os artigos 22, 23, 24 e 25 dos Estatutos e regulamentos da Ordem dos Grandes Professos que preveem um caso dessa natureza e evitam o perigo de extinção; concede uma carta para a constituição do Colégio e Capítulo provincial dos Grandes Professos em Genebra, Suíça, onde o R.E.R. e a Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa continuarão a se abrigar até os nossos dias, tornando-se também a guardiã da Grande Profissão.” [15]

A doutrina da Classe Secreta foi transmitida desde tempos imemoriais por uma tradição oral que atravessou os séculos.

A doutrina do Regime Escocês Retificado, “que garante uma conformidade doutrinária com a doutrina da reintegração [dos seres] ensinada por Martines de Pasqually, sendo esta “conformidade doutrinária” precisamente o critério por excelência da natureza não apócrifa do Regime Retificado, está presente no seu “coração” desde a sua fundação no Convento das Gálias realizado em Lyon em 1778, ficando estipulado no “Código Maçônico das Lojas Reunidas e Retificadas da França”, promulgado nesse Convento, que seu objetivo era reconstituir a unidade com base em uma maçonaria extraída da “origem” mesma da autêntica “Tradição”:

“Maçons de diferentes lugares da França, convencidos de que a prosperidade e a estabilidade da Ordem Maçônica dependiam inteiramente do restabelecimento dessa unidade primitiva, e não encontrando os sinais que deveriam caracterizá-la naqueles que tentaram se apropriar dela, inflamados em sua busca pelo que aprenderam sobre a antiguidade da Ordem dos Franco-maçons, fundamentada sobre a mais constante tradição, finalmente descobriram sua origem; com zelo e perseverança, superaram todos os obstáculos e, participando das vantagens de uma administração sábia e iluminada, tiveram a felicidade de reencontrar os vestígios preciosos da antiguidade e o propósito da Maçonaria”.

A doutrina (embora frequentemente seja necessário muitos anos de estudo e reflexão para uma compreensão correta [16]) é apresentada de forma sugestiva por meio de instruções e alegorias nas Classes simbólica e cavaleiresca, sendo desenvolvida sem véus em sua “Classe Secreta” não ostensiva. Seu ensinamento tradicional consiste em instruções escritas e outras explicações não escritas transmitidas oralmente, uma “tradição oral que atravessou os séculos”, sem a qual poderiam surgir interpretações equivocadas, conforme explicado pelo próprio Willermoz:

“A sétima e última classe que completa o Regime Retificado e que deve permanecer desconhecida pelas seis anteriores até que cada uma daquelas pessoas julgadas aptas a acessar seja chamada individualmente, é uma iniciação específica que consiste em várias instruções escritas nas quais os princípios e as bases fundamentais da Ordem são desenvolvidos, e nos quais os emblemas, símbolos e cerimônias da Maçonaria simbólica são explicados. No entanto, essa iniciação, por mais iluminada que seja, continua sendo imperfeita, insuficiente, podendo até causar equívocos devido às falsas interpretações às quais nos entregamos com muita frequência, se não for acompanhada por outras instruções explicativas. Essas, por não estarem escritas, são transmitidas verbalmente apenas por aqueles que, por meio de longos trabalhos e meditações, alcançaram o estado de poder distribuí-las apropriadamente a cada um, de acordo com as necessidades, habilidades e na medida certa que lhe é necessária. Elas foram transmitidas desde tempos imemoriais por uma tradição oral que atravessou os séculos e se sustentava em bons testemunhos [17].”

Sobre o perigo da compreensão incorreta da doutrina, Frédéric-Rodolphe Saltzmann (1749-1821), um dos colaboradores mais próximos de Jean-Batiste Willermoz na fundação da Ordem Retificada, escreveu em uma carta dirigida a Willermoz, datada de 4 de setembro de 1818, esta exortação preventiva para os futuros receptores e depositários:

“A doutrina do Regime Retificado é o unicum necessarium… É sobre este fundamento, sobre esta pedra angular, que é construído, e isso o preservará da sua ruína enquanto permanecermos fiéis a ele.”

Esses ensinamentos possuíam, portanto, uma natureza muito sagrada para Willermoz e os membros desta Classe, a ponto de:

“A Ordem dos Professos parecia existir, mais do que para expandi-la, para preservá-la das profanações. Se chegava, apesar das precauções, um homem indigno ao templo, era prontamente expulso. Para isso, longe de despertar sua curiosidade, esforçava-se em cansá-lo. Não se permitia que avançasse nem em graus nem em conhecimento, não era mais convocado e as datas das conferências eram alteradas. Assim, ele seria afastado delicadamente e excluído de fato, ‘sem que houvesse necessidade de adverti-lo’ [18].”

O Cristianismo Transcendental que se origina da “Classe Secreta” do Regime Escocês Retificado

Pouco ou nada se havia falado até agora sobre a existência da “Classe Secreta” do Regime Escocês Retificado na Espanha, mas tomando para si a expressão usada por Robert Amadou no início de seu artigo, assinado com o pseudônimo de Maharba e citado aqui várias vezes: “O Rito Escocês Retificado está na ordem do dia, para o melhor e para o pior”. Dessa forma, vimos que na editora “Masónica” foi publicado em 2022 um livro intitulado “La Gran Profesión, clase secreta del Rito Escocês Retificado” [19], escrito por Ramón Martí. O conteúdo ao qual se refere faz referência ao texto já publicado em francês pela revista Renaissance Traditionnelle nº 181-182 em janeiro-abril de 2016, correspondente aos arquivos conservados na Biblioteca Municipal de Lyon, pasta Ms 5475, documentos 2, 3 e 7. No momento da publicação do livro, Ramón Martí já havia deixado o Grande Priorado de Hispania, onde foi Grão-Mestre desde sua fundação até alguns anos atrás, e não está ativo em nenhuma outra Ordem. O objetivo que ele se propôs não é outro senão tentar “corrigir” Willermoz nos ensinamentos reunidos nesses textos onde, segundo seu critério, contradizem os fundamentos da fé cristã de acordo com a exegese dogmática que algumas igrejas construíram ao longo da história [20]. Este esforço pessoal é assumido “com a dor de uma fidelidade não correspondida” para quem foi seu iniciador, guia e protetor na via do Regime Retificado, ao mesmo tempo que dedica esta obra à sua memória: Daniel Fontaine, ex-Grão-Mestre e ex-Grão-Prior do Grande Priorado das Gálias entre 1983 e 2005.

À margem de erros históricos [21] e equívocos diversos [22], no que diz respeito aos fundamentos doutrinários, desde o momento mesmo da fundação da Ordem, foram feitos todos os tipos de advertências para não cair em tentações sectárias, fruto de “discussões dogmáticas estéreis” [23]. No ritual do Mestre Escocês de Santo André, onde, como ele cita, afirma sem lugar a dúvidas que “Sim, a Ordem é cristã; deve sê-lo e só pode admitir em seu seio cristãos ou homens dispostos a tornar-se cristãos de boa fé…” [24], ele esquece uma advertência importante:

“Apesar de todas essas relações da instituição primitiva com a religião, as leis maçônicas proíbem expressamente, no seio das Lojas, qualquer discussão sobre assuntos de religião, política e qualquer outra ciência profana. Essa regra é infinitamente sábia, pois nossas Lojas são, em todos os lugares, escolas de moral religiosa, social e patriótica, nas quais se aprende a exercer a beneficência em toda a sua extensão, e nunca são escolas de teologia, política ou outras matérias profanas. Por outro lado, diante da diversidade de opiniões humanas de todo tipo, nossas leis tiveram que proibir toda discussão que viesse a perturbar a paz, a união e a concórdia fraternas.” [25]

E, de fato, em nossas Lojas, “Considera-se como Irmãos todos os Maçons que levam o nome de cristão e não o desonram, seja qual for a comunhão cristã a que pertençam” [26], mas o que a Ordem propõe, como acabamos de ver, não é uma confrontação teológica, mas sim que “os maçons devem dedicar-se ao estudo e à prática constante de uma moral depurada pela religião, exercendo todas as virtudes religiosas, humanas e sociais” [27], devendo todo aquele que queira obter o “grau de maçom” declarar abertamente “um verdadeiro desejo de chegar à verdade pela prática da virtude” [28], pois “apenas a Virtude conduz o homem à Luz” [29]. Essa abertura para a virtude, que não é possível sem um verdadeiro amor ao próximo e sem o conhecimento essencial de si mesmo [30] (de nossa natureza primordial ocultada após a queda do homem, provocando sua morte espiritual ou desconexão divina), é fundamental e alicerça o espírito evangélico que opera em e através do Reparador para unir todas as almas humanas de boa vontade em um único corpo místico (verdadeira Igreja). Esse espírito de um cristianismo transcendente [31], coração do Regime Escocês Retificado, impregna toda a Ordem e conduz todos os cristãos admitidos nela a um culto “em espírito e em verdade” [32] (João, 4:23), além de controvérsias históricas e dogmáticas que tentam sequestrar e cristalizar a fé por meio de hermenêuticas por vezes interessadas mais no poder do que no espírito, e que têm causado e continuam causando tanta separação e discordância entre os cristãos de todos os tempos. Apesar disso, podemos entender, até certo ponto, que essas hermenêuticas dogmáticas possam, de alguma forma, prestar algum serviço piedoso nutrindo sermões de paróquia, pois nem todos podem comer alimento sólido e muitos necessitam de leite [33].

“Não se entreguem a discussões dogmáticas estéreis com seus Irmãos… Aprendam a ouvir o ‘Espírito que sopra onde quer, como quer e quando quer’”.

Quanto aos seus fundamentos cristãos, a Ordem Retificada não é arbitrária e claramente abraça os princípios da fé cristã que todo Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa deve professar antes de receber essa qualidade em seu armamento. Esses princípios são apresentados a ele em sua recepção como Escudeiro Noviço, e ele deve meditá-los conscientemente como parte essencial de sua preparação. Portanto, esses princípios constituem e garantem a fé comum de todos os Cavaleiros, independentemente de sua origem e participação nas diversas confissões cristãs. Os princípios desta Profissão de Fé são suficientes para orientar adequadamente os membros da Classe Simbólica sobre o caráter cristão da Ordem. No entanto, conscientes dos desvios resultantes de diferentes hermenêuticas religiosas, que produziram interpretações múltiplas do Credo ao longo dos séculos, os fundadores da Ordem instruem o Cavaleiro a manter certa distância em relação aos “dogmas”, a ponto de proibir qualquer discussão a esse respeito:

“Não vos entregueis com vossos Irmãos a estéreis discussões dogmáticas, ensinai-lhes a amar e imitar nosso divino Senhor e Mestre Jesus Cristo, nosso Redentor…” [34]

O motivo dessa advertência também é mitigar os perigos daqueles que, aderindo à interpretação literal das escrituras, esquecem o mistério que se esconde por trás de suas alegorias, mistério este que, de acordo com Joseph de Maîstre (1753-1821), Grande Professo do Regime, é explorado por aqueles recebidos no Terceiro Grau da Ordem (Classe Secreta):

“Os Irmãos admitidos na classe superior terão como objeto de seus estudos e reflexões mais profundas as pesquisas de fatos e os conhecimentos metafísicos. Este não é o lugar para examinar até que ponto a verdade da doutrina que professamos pode ser estabelecida pelo simples raciocínio. No entanto, não é estranho que a descoberta dos fatos possam fornecer os maiores motivos de credibilidade. Tudo é mistério nos dois Testamentos, e os eleitos de ambas as leis eram verdadeiros iniciados. Portanto, devemos interrogar essa venerável Antiguidade e perguntar como ela entende as alegorias sagradas. Quem pode duvidar de que esse tipo de investigação pode nos fornecer armas vitoriosas contra os escritores modernos que insistem em ver apenas o sentido literal nas Escrituras? Esses escritores são facilmente refutados pela expressão ‘Mistérios da Religião’ que usamos todos os dias sem entrar em seu sentido. A palavra ‘mistério’ originalmente significava apenas a verdade velada sob tipos por aqueles que a possuem. Foi somente por extensão e, por assim dizer, por corrupção, que essa expressão foi posteriormente aplicada a tudo o que está escondido; a tudo o que é difícil de entender. (…) Este sentido do termo ‘mistério’ não era suficientemente significativo para a Igreja latina, daí ela inventou o termo ‘sacramento’ para designar os sete Mistérios por excelência.

Possivelmente, parecerá infinitamente provável a V.A.S. que se nossos teólogos quisessem refletir cuidadosamente sobre o fato de que as palavras Mistério, Sacramento, Sinal e Figura são rigorosamente sinônimos, logo concordaríamos sobre um dos pontos que divide nossas duas comunidades.

Parece, portanto, que não há necessidade de um dicionário etimológico para refutar os partidários da interpretação literal. No entanto, como poderiam resistir ao sentimento unânime dos primeiros cristãos, todos regidos pelo sentido alegórico? Com que direito podemos contradizer toda a Antiguidade eclesiástica, que nos sugere tantas verdades escondidas sob a casca das alegorias? ‘Os antigos intérpretes da Igreja’, como nos diz São Anastácio, o Sinaiense, ‘consideraram o relato de Moisés sobre a obra dos seis dias de maneira alegórica e destacaram várias heresias nascidas apenas do fato de terem interpretado muito literalmente o que o Gênesis relata sobre Deus e o Paraíso terrestre’. Outro escritor eclesiástico também afirma que ‘alguns hereges sustentavam que não se deveria dar ao Antigo Testamento um sentido místico e alegórico diferente daquele oferecido pelas coisas mesmas, e que, se seguirmos a opinião deles, resultaria em um monte de absurdos… que os livros do Antigo Testamento devem ser explicados não apenas de maneira literal, mas também de maneira figurativa e alegórica, revelando assim o verdadeiro sentido’.

É ainda mais surpreendente que, sobre esse tema, a Sinagoga não tenha pensado de maneira diferente da Igreja. O historiador Josefo nos adverte, antes de tratar das antiguidades de sua nação, que ‘Moisés se explicou alegoricamente quando a situação assim o exigiu; que ele também se serviu de alegorias, embora cautelosamente, e que o que ele disse apenas revelou o que não deveria estar oculto; de modo que nos envolveríamos em um longo trabalho se quiséssemos desvendar tudo o que, nesses livros, se refere a esses diferentes assuntos’.

Outra testemunha de peso é a do mais sábio e ilustre dos rabinos, o famoso Maimônides, conhecido como Moisés Egípcio. ‘Não vos deixeis seduzir’, diz ele, ‘por tudo o que os Sábios contam sobre o primeiro homem, sobre a Serpente, sobre a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, sobre as vestimentas que ainda não eram usadas, e não penseis que esses objetos tenham existido realmente dessa maneira. Jamais estiveram na natureza das coisas. Se prestardes atenção, percebereis a falsidade de tudo o que dizem a respeito, e que só o imaginaram depois de terem tido conhecimento de nossa lei e da história da criação; pois o tomaram literalmente e forjaram essas fábulas… Não se deve interpretar literalmente, como faz o vulgo, o que está contido no Bereshit ou história da criação. Sem isso, os sábios não o teriam envolto em tantas parábolas, com tanto cuidado, e não teriam estado tão atentos para impedir que se falasse disso ao populacho ignorante. Pois, ao tomar literalmente, o resultado são os preconceitos que degradam a natureza divina e transtornam os fundamentos da lei que dão origem às heresias’.

Que amplo campo se abre para o cuidado e perseverança dos Grandes Professos! Que alguns mergulhem corajosamente nos estudos que possam multiplicar nossos livros e esclarecer aqueles que possuímos. Que outros, cujo gênio é inclinado às contemplações metafísicas, busquem na própria natureza as provas de nossa doutrina. Finalmente, que outros (e que Deus permita que haja muitos!) nos digam o que aprenderam desse Espírito que sopra onde quer, como quer e quando quer.” [35]

O conhecimento perfeito nos foi trazido pela Lei Espiritual do Cristianismo, que foi uma iniciação tão misteriosa quanto aquela que a havia precedido…

Nem todos são chamados pela divina Providência a abordar esses mistérios, velados com alegorias e conhecidos do cristianismo primitivo [36], em seu sentido mais profundo e transcendente, sendo o cristianismo em sua origem “uma iniciação tão misteriosa como aquela que a havia precedido”, conforme é alertado ao Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa durante a instrução em seu armamento:

“Desgraçados são aqueles que ignoram que o conhecimento perfeito nos foi proporcionado pela Lei Espiritual do Cristianismo, que foi uma iniciação tão misteriosa quanto aquela que a precedeu: é nela que se encontra a Ciência universal. Esta Lei revela novos mistérios no homem e na natureza; ela se torna complemento da ciência. É a mais sublime, a mais elevada, a mais perfeita de todas as ciências, enfim, a única desejável para um verdadeiro Cavaleiro da Fé. (…) Tudo o que sabemos, tudo o que podemos revelar desse segredo, é que ainda existem Mestres nesta Ciência importante. Ensinar-vos a procurá-los, dizer-vos com que sinais podem reconhecer-vos, é cumprir todos os nossos compromissos e, ousamos dizer, prestar-vos o serviço mais importante que o homem pode esperar de seus semelhantes.” [37]

Além de transmitir os princípios coletados ao longo da história pela santa religião cristã, o cristianismo primitivo era, portanto, uma iniciação misteriosa detentora de conhecimentos perfeitos conhecidos como “Ciência Universal”, da qual o Santuário da Ordem é depositário [38]. Mas todos aqueles que livremente e por vontade própria decidiram participar dessa Iniciação, que a Ordem Retificada oferece de forma gradual e progressiva, são chamados a promover desde o início, como já vimos, “um verdadeiro desejo de chegar à verdade pela prática da virtude” e um testemunho vivo do evangelho baseado no amor e na imitação de Jesus Cristo, o “Caminho, a Verdade e a Vida” (João, 14:6), arquétipo e modelo de Iniciação, como dissemos, “em espírito e em verdade”:

“Nossas cartas são vocês mesmos, escritas em nossos corações, conhecidas e lidas por todos os homens; quando é manifesto que são carta de Cristo administrada por nós, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo; não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne do coração. E tal confiança temos pelo Cristo para com Deus; não que sejamos suficientes por nós mesmos para pensar algo como de nós mesmos, mas nossa suficiência é de Deus; o qual também nos fez ministros suficientes do Novo Testamento, não da letra, mas do Espírito; porque a letra mata, mas o Espírito vivifica. E se o ministério da morte, gravado em pedras, foi glorioso, tanto que os filhos de Israel não puderam fitar os olhos na face de Moisés, por causa da glória de seu rosto, a qual havia de perecer, como não será mais glorioso o ministério do Espírito? (…) Pois o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade.” – 2 Co, 3:2-17.

“Para a linguagem do Espírito, seria necessário deixar ao próprio espírito o cuidado de desenvolver a inteligência a seu bel-prazer. Teria sido com livros, com os recursos da indústria humana, que Paulo aprendeu coisas inefáveis e que os apóstolos chegaram a falar todas as línguas do universo?” [39]

Deixemos, portanto, que as igrejas guiem a fé de seus fiéis em suas paróquias, e que a Ordem Retificada nos auxilie a transitar “entre a iniciação simbólica e a iniciação perfeita (…) àqueles a quem a divina misericórdia chamou” para fazer parte dela.

“…no momento em que a religião se misturar com a maçonaria (…) a sua ruína será operada…”

No entanto, apesar de todas as reservas, o medo de que as controvérsias teológicas acabassem por se infiltrar na Ordem Retificada, por ser cristã, e viessem a “perturbar a paz, a união e a concórdia fraternas”, esteve sempre presente desde o início, como evidencia esta carta dirigida a Bernard de Türckheim (1752-1831), datada de 3 de fevereiro de 1783, onde Jean-Baptiste Willermoz advertia solenemente a respeito:

“…no momento em que a religião se misturar com a maçonaria (…) a ruína ocorrerá…, nossos discursos oratórios se transformarão em sermões, em breve nossas Lojas se tornarão igrejas ou assembleias de devoção religiosa […]. Este perigo, meu amigo, que pode parecer quimérico, está mais próximo do que se pensa, se não for prontamente corrigido…” [40]

E, efetivamente, Ramón Martí persistiu por esse caminho perigoso, levando à ruína o Grande Priorado de Hispania, que hoje em dia tem apenas uma presença simbólica, onde nem mesmo é bem recebido pelos últimos que lhe foram leais, afastado daqueles e daquele que o acolheu na Ordem Retificada, reconhecendo sua “fidelidade não correspondida”. Não nos alegra essa situação; ao contrário, entristece-nos enormemente pelo dano causado à imagem da Ordem na Espanha.

O tema do cristianismo transcendente da Ordem Retificada e os possíveis perigos das controvérsias teológicas e dogmáticas foram extensivamente analisados e desenvolvidos em um excelente e brilhante ensaio por Jean-Marc Vivenza, atualmente Grão-Mestre e Grão-Prior do Diretório Nacional Retificado da França – Grande Diretório das Gálias. O ensaio foi publicado sob o título “Regime Escocês Retificado e ‘Cristianismo Trascendente’”, primeiro na França na revista “Le Phénix Renaissant” nº 4 de junho de 2018, e depois em espanhol com o mesmo título pela Editorial Manakel (Madrid 2021, Coleção Martinismo). Convidamos todos aqueles que desejam aprofundar-se no verdadeiro espírito que a iniciação maçônica cristã oferece a ler com atenção.

A Classe Secreta do Regime Escocês Retificado na Espanha

E agora, prosseguindo com a parte mais histórica a que este epígrafe se refere, gostaria de esclarecer algo que poderia causar confusão. O único relato histórico publicado até a data sobre a recepção de Professos e Grandes Professos na Espanha é o apresentado por Ramón Martí na obra que acabamos de comentar. Como sempre, ele narra a história à sua maneira, e nem tudo o que ele diz sobre a controvérsia entre Zaragoza e Barcelona aconteceu da maneira que ele descreve, mas não vale a pena se deter nessas minúcias. O fato é que há menção à existência de um Colégio Metropolitano (chamado Joseph de Maîstre) dentro do Grande Priorado das Gálias, cujo Depositário Geral era Daniel Fontaine, no qual alguns Professos e Grandes Professos na Espanha foram recebidos para constituir o correspondente Colégio Metropolitano no Grande Priorado de Hispania (que seria chamado Jean-Baptiste Willermoz), evento que ocorreu em janeiro de 2004. Pouco tempo depois, surgem problemas internos que resultam na primeira cisão dentro do G.P.D.H., sendo necessário que Daniel Fontaine tentasse desesperadamente retirar a primeira patente em 1º de fevereiro de 2005, concedendo uma nova patente para reconstituir este Colégio Metropolitano em 1º de outubro de 2006. Isso poderia dar a entender que na Espanha houve uma transmissão regular para a Classe Secreta da Ordem e que, de fato, este Colégio Metropolitano constituído no seio do G.P.D.H. é o legítimo depositário da Ordem Retificada. No entanto, surpreendentemente, isso não é verdade. Essa patente recebida no G.P.D.H. pelo suposto Depositário Geral do Grande Priorado das Gálias, Daniel Fontaine, provinha de uma filiação falsa que nunca existiu. Daniel Fontaine nunca foi recebido como Professo e Grande Professo em nenhum Colégio Metropolitano ou em qualquer outro lugar, e ele não teve escolha a não ser inventar uma filiação falsa para criar no Grande Priorado das Gálias um Colégio Metropolitano criado por ele e seus colaboradores mais íntimos, sem nenhuma transmissão direta da Profissão e Grande Profissão de Willermoz. Esta filiação falsa afirma ter sido recebida através do Martinismo russo que chegou à França pelas mãos de Serge Marcotoune (1890-1971), exilado em Paris, que havia sido presidente de um capítulo Martinista de filiação russa em Kiev (filiação de Nicolás Novikoff). Como reconhece Ramón Martí: “Daí vem a ‘filiação russa’ da Patente da Grande Profissão detida por Daniel Fontaine, da qual ele se afirmava Depositário Geral e que lhe teria sido transmitida por Marcotoune” (pp. 42-43, obra citada).

No Boletim Informativo do GEIMME nº 70 de junho de 2021, é publicado um trecho da obra de Jean-Marc Vivenza intitulada “História do Regime Escocês Retificado, desde a origem até os dias atuais”, publicada pela editora La Pierre Philosophale, 2017, nota de rodapé nº 364, pp. 292-295, onde ele analisa detalhadamente essa situação, que ele conhece de primeira mão, pois foi Grande Dignitário do Grande Priorado das Gálias. Vamos ver suas conclusões incisivas:

“…o Grande Priorado das Gálias inventava, ‘a partir do nada’, uma ‘pseudo Grande Profissão’ e um Colégio a partir de uma suposta ‘filiação russa’ proveniente de Serge Constantinovitch Marcotoune (+1971), que, evidentemente, jamais foi, também, de perto ou de longe, maçom Retificado, e muito menos C.B.C.S., nem Grande Professo depositário de alguma ‘transmissão que procedia de Joseph de Maîstre’ (sic), mas foi um dos membros fundadores da Sociedade Ocultista Internacional (S.O.I.) dirigida por Jean Bricaud (1881-1934), que pretendia suceder ao Grupo Independente de Estudos Esotéricos fundado por Papus (1865-1916) em 1889.

(…) Em consequência, se é verdade que em 1969 Serge Marcotoune, por razões familiares, deu efetivamente autorização a Daniel Fontaine para constituir um grupo Martinista em Paris, que foi colocado na continuidade iniciática de Santo André Apóstolo nº 2 e de São João Apóstolo de Moscou (patente de julho de 1969), grupo que preservou os diplomas e patentes do Filósofo Desconhecido Serge Marcotoune da Ordem Martinista fundada por Papus, não há rastro algum em lugar algum – tendo podido consultar diretamente esses respeitáveis documentos – de uma imaginária “Grande Profissão russa” proveniente de Joseph de Maîstre, em nome da qual o G.P.D.G., no entanto, acreditou ser apropriado, na ausência de ter recebido algo de Genebra, se entregar a uma “falsificação” pura e simples. Este ato absolutamente inverossímil, que o desacredita em relação aos critérios Retificados, demonstra, se possível ainda mais, até que ponto chegou o considerável afastamento dos princípios willermozianos da Reforma de Lyon que levou a essa orientação insensata – realizada e guiada em nome de um cristianismo dogmático e eclesiástico, de forma ostensiva e militante – o que levou na própria pretensão de despertar o Regime [no G.P.D.G.] a fabricar uma “pseudo Classe Secreta”, traindo assim a confiança dos Irmãos e ao mesmo tempo pisoteando a verdade da Ordem. Mas este tipo de atos diz muito simbolicamente, mais do que longos discursos, sobre a realidade de uma deriva que só pode ser lamentada com a distância e a perspectiva dos anos.”

Só podemos acrescentar, para maior evidência, ao fato de que Serge Marcotoune “jamais foi, tampouco, nem de perto nem de longe, maçom Retificado, e muito menos C.B.C.S., nem Grande Professo depositário de alguma ‘transmissão que procedia de Joseph de Maîstre’”, que Joseph de Maîstre morreu em 26 de fevereiro de 1821 em Turim e Serge Marcotoune nasceu em 15 de julho de 1890 em São Petersburgo [41].

E, daí, surgiu a pseudo Patente concedida a Daniel Fontaine para estabelecer, na Espanha, um pseudo Colegiado Metropolitano da Classe Secreta do Regime Escocês Retificado. Nada procedente de qualquer transmissão, e sob nenhuma circunstância oral, “de boca a ouvido”, a ponto de Daniel Fontaine, desconhecendo a palavra de acesso à classe de Professo, ter que emitir um comunicado interno para justificar o uso de uma palavra diferente que ele mesmo escolheu, se justificando da seguinte forma: “O simples seria adotar as duas palavras do século XVIII que qualquer pessoa pode encontrar na biblioteca de Lyon e que o Grande Priorado Independente da Helvécia utiliza. Mas preferi me desvincular dos suíços, principalmente porque essas palavras não têm a força esotérica daquelas que estão incluídas nos rituais do Regime”.

Jean-Marc Vivenza, na obra citada, com prudência e certa discrição, revela o verdadeiro motivo que levou Daniel Fontaine a criar ex nihilo este pseudo Colegiado Metropolitano no G.P.D.G.:

“Tanto por discrição quanto por respeito aos Irmãos queridos, e levando em consideração certos cargos e funções que desempenhamos dentro do G.P.D.G., preferimos não nos estender muito e manter um relativo silêncio sobre algumas decisões que levaram a ‘constituir’ do zero uma suposta ‘Grande Profissão’, supostamente de ‘transmissão russa’, própria ao Grande Priorado das Gálias, depois que o Colégio de Genebra havia deixado claro alguns anos antes, a pedido insistente e urgente de Jean Granger, que se recusava a receber entre seus membros a Daniel Fontaine.”

Com isso, está tudo dito sobre a história relatada por Ramón Martí acerca da Profissão e Grande Profissão no G.P.D.H.; o restante são, ou histórias de confrontos e desentendimentos, ou puras ocorrências.

Parece, mais uma vez, confirmar o que Roger Dachez apontou em seu artigo “O mistério da Grande Profissão” [42]:

“Mas o que devemos destacar especialmente é que cada vez que um Grande Professo se apresenta dizendo que o é, pode-se ter certeza de que não o é. O mesmo ocorre, neste ponto, na Grande Profissão, assim como na maçonaria em si: as imitações são abundantes…”

Encerro este trecho com esperanças renovadas ao fazer minhas as palavras de Robert Amadou sobre a Grande Profissão, que aparentemente continua guardada e protegida daqueles que não estão preparados para recebê-la ou estão tão afastados dela que nem desejam:

“O Grande Arquiteto do Universo nunca permitiu que ela fosse interrompida. E não há caso em que essa ação tenha sido exercida – como poderia? Como poderia sem renegar a si mesma? – de outra maneira senão em espírito e verdade, para o benefício do R.E.R. e da Ordem dos C.B.C.S., para o bem da Maçonaria; para ajudar os homens que, em todos os lugares, pedem, muitas vezes sem perceber, que o sol da justiça brilhe, a única fonte de luz e calor, onde o Senhor estabeleceu sua tenda e de onde seu Espírito inspira.” [43]

 

 

Notas:

[1] Lyon, ms. 5475, p. 1, “Estatutos e Regulamentos dos Grandes Professos”, p. 1, Artigo 1. Esses estatutos foram publicados por M. P. Vuillaud em “Joseph de Maîstre, maçom”, pp. 45-51.

[2] “Esta Ordem por excelência, impossibilitada de ser nomeada, só pode ser chamada de Alta e Santa Ordem…”, detentora dos “conhecimentos valiosos e secretos que derivam da Religião primitiva” (Instrução do E. N., 1778). Sob essa denominação, Willermoz está, na realidade, se referindo à “Alta e Santa Ordem” dos Élus do Eterno, ou seja, a santa e piedosa “sociedade religiosa” formada pelos Justos, Patriarcas e Profetas. Eles sabiam, após o arrependimento de nosso primeiro ancestral segundo a carne, Adão, e depois seu amado filho Abel, passando por Seth, Elias, Enoque, Melquisedeque, Abraão, Moisés, Davi, Salomão e Zorobabel, preservar, manter e transmitir o conhecimento do “verdadeiro culto”, até João Batista, e depois Jesus Cristo, que o leva à perfeição.

[3] “A origem da Ordem é tão remota que se perde na noite dos tempos; a única coisa que a instituição maçônica pode fazer é nos ajudar a remontar até essa Ordem primitiva…”, Jean-Baptiste Willermoz, Biblioteca Municipal de Lyon, ms 1778.

[4] R. Amadou, em “Martinismo”, CIREM, 1997, p. 36, afirma: “No entanto, no artigo ‘A respeito do RER e da Grande Profissão’, que Robert Amadou escreveu com o pseudônimo de Maharba e do qual incluímos aqui várias citações, ele nos diz em uma nota de rodapé: ‘a linha sucessória dos Grandes Professos do R.E.R. não é nem idêntica nem relacionada com a filiação iniciática de nenhum outro grau ou classe da Ordem dos Cavaleiros Maçons Eleitos Cohen do Universo, fundada por Martines de Pasqually. A história, o direito e o costume protestam contra qualquer confusão entre essas duas linhagens, das quais a segunda não parece, aliás, ter se perpetuado até os dias de hoje’.”

[5] “A Propósito do RER e da Grande Profissão”, por Maharba, na Revista El Simbolismo nº 391, outubro-dezembro de 1969, p. 63 (traduzido para o espanhol em “Documentos Martinistas VI”, GEIMME, Madrid 2021, Ed. Manakel); pseudônimo utilizado por Robert Amadou, ele próprio admitido na Grande Profissão em 18 de maio de 1969, conforme testemunho de Catherine Amadou na Renaissance Traditionnelle nº 170-171, p. 74.

[6] “Observações sobre práticas ocultas através da odisseia dos arquivos de Jean-Baptiste Willermoz (1763-1956)”, publicado na Revista Renaissance Traditionnelle, nº 181-182, janeiro-abril de 2016, pgs. 110-187. Traduzido para o espanhol e publicado em Cuadernos Martinistas IV, GEIMME, Madrid 2019, Ed. Manakel.

[7] “Um Místico Lyonês e os Mistérios da Franco-Maçonaria, Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824)”, Capítulo VII, por Alice Joly, Edições Télètes, Paris, 1986. Reprodução integral da edição de Mâcon de 1938. Publicado em espanhol pelo GEIMME em seu Boletim Informativo nº 70.

[8] Em Fundos B. T. “Documentos autógrafos de Bernard de Türkheim – Extratos de correspondência com Willermoz”.

[9] Antes da realização deste Convento da Ordem em 1782, Ferdinand de Brunswick e Charles de Hesse-Cassel foram recebidos na Classe dos Grandes Professos, conforme registrado por Antoine Faivre em sua apresentação e inventário do Fundo Bernard-Frédéric de Turckheim. Alice Joly menciona alguns dignitários adicionais da Ordem recebidos na Alemanha ao mesmo tempo: “alguns alemães vieram em 1780 para completar a sociedade; eram Charles príncipe de Hesse-Cassel, Charles de Waechter, o barão de Plessen, Haugwitz e Ferdinand de Brunswick Lunebourg, que, devido à sua dignidade eminente de Grão-Mestre da Ordem Retificada, foi colocado à frente das listas oficiais”. Em “Um Místico Lyonês…”

[10] Ver ata da 6ª Sessão do Convento, em “Regime Escocês Retificado. Documentos Fundacionais”, compilados por mim mesmo, Ed. Manakel, Coleção Martinismo, Madrid 2013, pp. 39-48. Destacamos a petição feita pelo R. Ir. a Flumine (Turkheim) em seu discurso: “Não agitemos, nas funções augustas do sacerdócio primitivo, a esses sábios modestos, que não buscam o conhecimento para se orgulharem e provocarem admiração, mas para se tornarem melhores e mais úteis.”

[11] R. Amadou, Martinisme, CIREM, 1997, p. 21.

[12] “A Propósito do R.E.R. e da Grande Profissão”, por Maharba, já citado.

[13] “Um Místico Lyonês e os Mistérios da Franco-Maçonaria, Jean Baptiste Willermoz (1730-1824)”, Capítulo VII, Alice Joly, já citado.

[14] No anteprojeto lido por Willermoz perante o Convento de Wilhemsbad em 29 de julho de 1782, ele se expressa da seguinte forma em relação à terceira classe ou Classe Secreta da Ordem: “Quando falei de uma 3ª e última classe do Regime sem defini-la, entendo que ela seria composta por Irmãos que tivessem a oportunidade e os meios de obter algum conhecimento elevado. Como ninguém se apresentou diante de nós com os materiais necessários para estabelecê-la, podemos acreditar que ainda ficará vaga por muito tempo; embora não esteja em nosso poder determinar suas formas ou composição.” Como podemos observar, esta Classe já foi fundada em Lyon em 1778, e sua forma e composição estavam perfeitamente estabelecidas, mas não podia ser revelada a todos os presentes, especialmente considerando que, desta vez, tinha diante de si opositores significativos muito contrários à sua reforma. E acrescenta: “Se consentirmos ou resistirmos à formação desta classe, ela se formará igualmente quando chegar o momento. (…) esta classe, cuja existência será conhecida, será ao mesmo tempo secreta, de modo que aqueles que forem admitidos não devem, de forma alguma, se dar a conhecer, para evitar despertar invejas e expor-se a solicitações inoportunas. (…) não poderá ter nenhum tipo de influência, nessa qualidade, na administração do Regime, que permanecerá exclusivamente reservada à segunda [Ordem Interior]…”

[15] “A propósito do R.E.R. e à Grande Profissão”, por Maharba, já mencionado

[16] Para compreender corretamente, é necessário um preparo adequado nas classes ostensivas da Ordem e uma vocação específica que permita a abertura necessária para aprofundar-se em seus mistérios. Mesmo assim, Willermoz adverte: “Também é preciso saber que, daqueles que a recebem de maneira suficiente para sua instrução pessoal, há muito poucos que alcançam o estado de poder ensiná-la aos outros devidamente, pois isso é resultado de uma disposição e vocação específicas. Eis por que o depósito dessas instruções raramente é confiado a lugares onde não há homens suficientemente capazes de explicá-las e valorizá-las.” Texto de Jean-Baptiste Willermoz sobre a Grande Profissão, com a assinatura 173, intitulado: “Artículo secreto anexo a minha carta de 1º de setembro de 1807”, publicado em espanhol em “Documentos Martinistas VI”, Ed. Manakel, Madrid 2021. O destinatário desta carta é Claude-François Achard, Eques a Galea Aurea (Casco de Ouro), nascido em Marselha em 23 de maio de 1751.

[17] Idem.

[18] “Um Místico Lyonês e os Mistérios da Franco-Maçonaria, Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824)”, Capítulo VII, de Alice Joly, conforme citado.

[19] Já observamos uma apresentação equivocada no próprio título, uma vez que a Grande Profissão pertence à Classe Secreta do Regime e não do Rito. Lembremos, como indicamos no início, que o Regime Escocês Retificado é uma estrutura composta por três classes distintas: duas ostensivas, sendo a Classe Simbólica e a Classe Cavaleiresca ou Ordem Interna, e uma não ostensiva conhecida como Classe Secreta (Profissão e Grande Profissão). A palavra “Rito” faz referência comumente ao conjunto de cerimônias, atos e procedimentos para o desenvolvimento dos Trabalhos e as diversas cerimônias de Iniciação que geralmente compõem uma apresentação específica da Arte Maçônica, por meio da qual sua essência e conteúdo são apresentados. Em comparação com outros sistemas maçônicos, o Rito Escocês Retificado é atribuído à Classe Simbólica ou Maçônica do Regime.

[20] Premonitória a advertência de Jean-Baptiste Willermoz em uma carta dirigida a Bernard de Turckheim em 12 de julho de 1784: “A moral de nossos Rituais exorta por todos os meios à fé cristã e a uma tolerância mútua entre todas as comunhões, sem mencionar nenhuma em particular; isso deveria ter sido observado e será sempre que se queira garantir toda precaução lendo-os, mas assim que emprestam intenções suspeitas, serão julgados como tais e, em seguida, rejeitados.”

[21] Vamos tomar como exemplo a seguinte afirmação: “Mas em relação à terceira classe da Profissão, o Grande Priorado Independente de Helvetia, fiel ao acordado em Wilhemsbad, nunca a contemplou…”, pág. 27. Como já vimos no trecho do artigo de Robert Amadou “A propósito do RER e da Grande Profissão”, assinado sob o pseudônimo de Maharba, e ele mesmo admitido na Grande Profissão em 18 de maio de 1969: “…em 29 de maio de 1830, Joseph-Antoine Pont (…) concede uma carta para a constituição do Colégio e Capítulo provincial dos Grandes Professos em Genebra, Suíça, onde o R.E.R. e a Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa continuarão se abrigando até os nossos dias, tornando-se também guardiã da Grande Profissão.” O que confirma Roger Dachez: “O único Colégio proveniente dos Grandes Professos do século XVIII e cuja existência foi comprovada de forma sustentada é o de Genebra. Por anos, não se manifestou publicamente de nenhuma forma – o que, naturalmente, não significa de forma alguma que tenha deixado de operar” (artigo publicado em seu Blog Pierres Vivantes em 12 de fevereiro de 2014).

[22] Fala do Martinismo ou Ordem Martinista criada por volta de 1890 por Papus e chega a dizer que posteriormente o Martinismo acabaria desenvolvendo uma Profissão (pág. 28). Nunca houve tal coisa nas Ordens Martinistas. Imagino que ele deve ter confundido isso com criações promovidas por Robert Amabelain dentro de sua estrutura de Ordens relacionadas ao Rito de Memphis Mizraim e à Ordem Martinista Iniciática, onde ele próprio constituiu um Grande Priorado Retificado inventando uma classe de Professos e Grandes Professos (Ver Boletim Informativo nº 70 do GEIMME: “A propósito de filiações fantasiosas na maçonaria retificada…”, Jean-Marc Vivenza). Robert Ambelain (1907-1997), em nome dessa suposta Grande Profissão imaginária recebida de Georges Bogé de Lagrèze (1882-1946), do qual sabemos que não consta no Registro de Genebra, escreveu, reproduziu e até enriqueceu um Ritual transformando a recepção de Professo e Grande Professo em uma espécie de “ordenação”, o que não tem absolutamente nenhuma relação com a admissão na Classe Secreta do Regime Retificado, propagando esta “Profissão” duvidosa desprovida de valor e fazendo-a prosperar em determinados meios iniciáticos.

[23] 23 Ms 5.916, B.M. de Lyon, 1784. CBCS.

[24] Instrução final do novo Irmão Recebido..., Ritual de Mestre Escocês de Santo André do RER.

[25] Idem.

[26] Idem

[27] O Irmão Preparador e suas funções, Ritual de Aprendiz do RER.

[28] Introdução do candidato na Loja, Ritual de Aprendiz do RER.

[29] O candidato recebe a Luz, Ritual de Aprendiz do RER.

[30] “O conhecimento de si mesmo é o grande eixo dos preceitos maçônicos”. Regra de uso das Lojas Reunidas e Retificadas, Artigo VII.

[31] Este “cristianismo transcendente” (termo cunhado por Joseph de Maîstre (1753-1821), Grande Professo do Regime Escocês Retificado), a “Ciência do Homem”, como bem explicado por Jean-Marc Vivenza em sua obra “Regime Escocês Retificado e ‘Cristianismo Transcendente’” (Madrid 2021, Ed. Manakel), sendo o cerne do Regime Escocês Retificado, aponta para outras questões no plano metafísico além do ensinamento transmitido pelas diferentes confissões cristãs. Isso também explica por que foi estabelecido um caminho iniciático progressivo para revelar essas verdades, sem as quais não se entenderia por que os cristãos devotos – sem contar as severas penas previstas pela autoridade romana aplicadas àqueles que se fazem receber na maçonaria – precisam esperar longos anos submetendo-se a rituais estranhos para, no final, ouvir um discurso que poderiam encontrar em seu catecismo desde a infância.

[32] “Mas a hora vem, e agora é, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que o adorem. Deus é Espírito; e aqueles que o adoram, em espírito e em verdade é necessário que o adorem.” (João, 4:23-24).

[33] “Eu, irmãos, não pude falar com vocês como a espirituais, mas como a carnais, como a crianças em Cristo. Eu vos dei leite e não alimento sólido, porque ainda não podíeis suportar. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais. Pois enquanto houver entre vós inveja e contenda, não é verdade que sois carnais e viveis de maneira humana? Quando alguém diz: ‘Eu sou de Paulo’, e outro: ‘Eu sou de Apolo’, não estais sendo meramente humanos?” (1 Coríntios, 3:1-4).

[34] Ms 5.916, B.M. de Lyon, 1784.

[35] Memória dirigida por Joseph de Maîstre ao duque Ferdinand de Brunswick-Lüneburg, Grão-Mestre da Maçonaria Escocesa da Estrita Observância, por ocasião do Convento de Wilhemsbad (1782). Coletada integralmente em “Regime Escocês Retificado, Documentos Fundacionais”, compilados por mim mesmo e editados pela Manakel, Coleção Martinista, Madrid 2013.

[36] Alegorias que se sucedem desde o início da queda, onde o Eterno preparava o caminho para Sua grande revelação por meio daqueles que Pasqually chama de Menores Eleitos (Abel, Enoque, Noé, Melquisedeque, José, Moisés, Davi, Salomão e Zorobabel, até a encarnação do próprio Cristo). Por isso, Joseph de Maîstre remonta a essa origem: “Vamos provar que não somos homens novos, mas trazemos uma genealogia clara e digna de nós. Dediquemo-nos de uma vez ao Evangelho e deixemos de lado as loucuras de Memphis. Voltemos aos primeiros séculos da Lei santa. Investiguemos a antiguidade eclesiástica. Perguntemos aos Pais um por um. Reunamo-nos, confrontemos os trechos. Vamos provar que somos cristãos. Vamos ainda mais longe: A verdadeira religião tem mais de 18 séculos: Nasceu no dia em que nasceram os dias.” (Idem). Em completa concordância com estas outras palavras de Santo Agostinho de Hipona (354-430): “A tradição universal e unânime é uma sabedoria que não foi feita e que é agora como tem sido e será sempre. O que hoje chamamos de religião cristã existia entre os antigos e nunca deixou de existir desde o início do gênero humano, até que, vindo o próprio Cristo, começou a ser chamada de cristã a verdadeira religião que já existia antes.” (A Cidade de Deus). Além disso, Joseph de Maîstre afirma: “O cristianismo, nos primeiros tempos, era uma verdadeira iniciação onde se revelava uma verdadeira magia divina. (…) O cristianismo, conforme o conhecemos, é para o verdadeiro cristianismo ou cristianismo primitivo, base de todas as suas especulações, o que uma Loja azul, chamada de outra forma de Loja de aprendiz e companheiro na maçonaria comum, é para uma Loja de altos graus.” (Idem).

[37] Instrução para a recepção dos Cavaleiros, conforme registrada no ritual de armamento dos C.B.C.S.

[38] “Todas essas coisas das quais se origina um profundo sentimento de amor e confiança, de medo e respeito, e de gratidão da criatura para com o seu Criador, eram bem conhecidas pelos líderes da Igreja nos primeiros quatro a seis séculos do cristianismo. Mas desde então, foram perdidas progressivamente e apagadas a ponto de hoje em dia (…) os ministros da religião rotularem como inovadores todos aqueles que sustentam a verdade.” – Carta de Willermoz a Saltzmann de 3 a 12 de maio de 1812, in Renaissance Traditionnelle, n° 147-148, 2006, pp. 202-203. “…a Verdade ficou isolada no meio de todas as comunhões cristãs que acreditavam possuí-la…”, Jean-Baptiste Willermoz para Bernard de Turckheim, carta de 12 de julho de 1784.

[39] Luis-Claude de Saint-Martin, O Homem do Desejo, § 190.

[40] Esta precaução toma uma forma muito mais beligerante em relação ao clero atual neste escrito doutrinário reservado aos membros mais avançados da Ordem: “Não podemos ignorar esta classe tornada a mais intolerante, a mais obstinada em seu sistema e a mais perigosa, porque às vezes se orgulha de sua ignorância. Aqueles que a compõem, ousados e fortes em suas decisões, presunçosos em suas reivindicações e dominados, talvez sem perceber, por um orgulho sacerdotal que muitas vezes oprime o coração dos mais humildes, tendem a identificar sua pessoa com o caráter sagrado com o qual estão revestidos e habilmente fingem o tom e a linguagem desdenhosa de uma arrogância teológica, revelando assim seu despeito secreto por ignorar o conhecido, respeitado e buscado por outros homens respeitáveis, instruídos e muito religiosos. Terminam abusando ao tentar persuadir que tudo o que não é conhecido por eles ou pelos mestres de seus primeiros estudos é falso e ilusório, uma série de erros e novidades perigosas contra as quais não se pode baixar a guarda. Esperamos que reconheçam seu erro e abandonem suas prevenções funestas, que só podem privá-los para sempre do que foi a fortaleza e o consolo de seus predecessores no sagrado ministério que realizam.” – Caderno D 5º, Biblioteca Nacional de Paris, 1806-1818.

[41] Os primeiros passos de Serge Marcotoune no esoterismo foram dados em 1912, enquanto estudava Direito, História e Filologia. Nessa época, a Ordem Martinista organizada por Papus passava por um período de renovação na Rússia. Czeslaw Czynski presidia remotamente essas Lojas Martinistas, o grupo de Gregory Ottonovich von Mёbes havia se tornado independente, e Piotr Kaznacheev acabara de ser confirmado como Delegado Interino da Ordem Martinista. Nesse contexto de mudança, o jovem Marcotoune recebeu seu primeiro grau de Kaznacheev e foi encarregado de fundar uma Loja Martinista em Kiev. No entanto, suas obrigações e compromissos políticos o levaram a viajar frequentemente, então suas iniciações e cargos subsequentes vieram de diferentes lugares, embora todos tenham emanado do interior da Ordem Martinista de Papus. Um exemplo disso foi que ele recebeu seu segundo grau na Itália, foi designado Delegado para a Ucrânia pelo Conselho Supremo da Ordem Martinista (com sede em Paris) e foi nomeado por Kaznacheev como representante junto aos governos de Kiev, Chernigov e Poltava. Paralelamente à sua formação iniciática, a Revolução Russa transformou a Ucrânia em um caldeirão de política nacionalista. Foi por isso que Marcotoune voltou a Kiev em 1917 para expandir a atividade da Loja Martinista Santo André Apóstolo Nº 1 e criar um grupo político chamado Jovem Ucrânia, próximo aos líderes nacionalistas Symon Petlyura e Pavlo Skoropadski. Quando este último chegou ao poder, Marcotoune foi nomeado seu secretário e tornou-se um diplomata brilhante, arbitrando nas lutas de poder entre ambos os líderes e utilizando suas conexões iniciáticas europeias para evitar que seus irmãos passassem por situações pessoais dolorosas devido ao conflito. Ele continuou trabalhando dessa maneira até 1920, quando, não conseguindo mais trabalhar para separar a Ucrânia do controle soviético, teve que emigrar para a França. Ao chegar à França, ele recebeu uma patente de Jean Bricaud para fundar sua própria loja na França. Assim nasceu a Loja Renascentista, posteriormente rebatizada como Santo André Apóstolo N° 2, que foi o local de onde ele difundiu suas ideias de formação iniciática e manteve viva a “Mysterium” das antigas lojas russas da Ordem Martinista. Esta loja funcionou até 1945, com Marcotoune como líder, e foi presidida por ele até 1953 a partir das Ilhas Canárias (Espanha), para onde se mudou. Pelo seu trabalho sólido e contínuo, essa estrutura exerceu uma influência vital nos principais defensores do “martinismo russo”, como Robert Ambelain, Armand Toussaint e Daniel Fontaine, os dois últimos discípulos de Marcotoune. Serge Marcotoune morreu em 1971 nas Ilhas Canárias, onde morava desde 1945, após emigrar da França ao sentir-se sob vigilância da Gestapo por suas atividades esotéricas.

[42] Publicado em seu Blog Pierres Vivantes em 12 de fevereiro de 2014, traduzido para o espanhol no Boletim Informativo do GEIMME Nº 47.

[43] “A propósito do RER e da Grande Profissão”, por Maharba, já citado.

BIBLIOGRAFIA:

História do Regime Escocês Retificado desde a origem até os dias atuais, Jean-Marc Vivenza, Ed. La Pierre Philosophale, 2017.

Regime Escocês Retificado e Cristianismo Transcendente, Jean-Marc Vivenza, Ed. Manakel, Madrid 2021.

Regime Escocês & Retificado, Documentos Fundamentais. Compilado por Diego
Cerrato. Ed. Manakel, Madrid 2013.

Um Místico Lyonês e os Mistérios da Franco-Maçonaria, Jean Baptiste Willermoz (1730-1824), por Alice Joly, Ediciones Télètes, Paris, 1986.

Os Ensinamentos Secretos do Martinismo. Jean-Marc Vivenza. Ed. Manakel, Madrid 2010.

Documentos Martinistas, I a VI, GEIMME, Ed. Manakel, Madrid 2019 a 2021.

Os Eleitos Coëns e o Regime Escocês Retificado, da influência da doutrina de Martinès de Pasqually sobre Jean-Baptiste Willermoz. Jean-Marc Vivenza, Ed. Le Mercure Dauphinois, Paris 2010, 2012, 2013.

Martinismo, Robert Amadou, CIREM, 1997. Boletins Informativos do GEIMME.