SOBRE O ILUMINISMO
Joseph de Maîstre (1.754-1.821)
Firme defensor das tradições políticas e religiosas, conservador e católico, pensador “reacionário”, o conde Joseph de Maîstre também foi o representante de uma tradição mais secreta e importante. Seus cadernos de notas informam-nos sobre suas leituras e permitem-nos atestar sua curiosidade por místicos como Jacob Boehme, Mme. Guyon, Eckartshausen, etc. Acima de tudo sabemos que, por muitos anos, Joseph de Maîstre foi franco-maçom. Ele começou pela Maçonaria ordinária na Loja Trois Mortiers. Em 1782, em uma Memória sobre a Maçonaria dirigido ao Duque de Brunswick, atribui às Lojas um papel de círculo de estudos políticos, morais e religiosos. A partir deste momento, se encontra em relação com a Maçonaria Lyonesa de Willermoz, acessando os mais altos graus. Ele é “Cavaleiro Professo da Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa”, isto é, que se encontra no coração de um dos meios ocultistas mais ardentes da época. Nas Lojas de Willermoz, conservam-se os ensinamentos de Martinez de Pasqually, em que nem tudo se reduz à teurgia. E Joseph de Maîstre ouvirá ali muitas vezes sobre Saint-Martin, a quem possivelmente pode ter conhecido, teósofo por quem sempre demonstraria a mais viva admiração, lendo e o relendo, copiando suas obras de próprio punho e impregnando-se de seu pensamento. Ainda na Rússia posteriormente, o interesse do conde Joseph de Maîstre pelo Iluminismo nunca diminuiu.
Ele manterá prudentes reservas por causa de seu catolicismo, mas para ele, esoterismo e cristianismo não se opõem, mas pelo contrário; o esoterismo é a seus olhos um meio de antecipar provisoriamente a terceira revelação, de ir mais além dos ensinamentos oficiais rumo a um cristianismo íntegro, mais profundo e rico. Então, como poderia duvidar da legitimidade deste movimento, quando frequentemente se depara com as opiniões dos Padres da Igreja ou dos primeiros grandes filósofos cristãos em seu caminho? O universo lhe aparece como uma realidade sagrada, completamente submetido ao governo divino; a teocracia na sociedade, a piedade no coração do homem, nada mais são do que as consequências evidentes desta primeira constatação. De um plano ao outro, se passa pelo jogo das correspondências e das analogias: “O mundo físico nada mais é do que uma imagem, ou se quiser, uma repetição do mundo espiritual, sendo possível fazer o estudo de um no outro de forma alternativa”. Todo o esforço do pensador deve tender a evidenciar essas correspondências e progredir através dela estudando a história e a política, refletindo sobre os princípios das civilizações, a chegada do cristianismo transcendental, etc. Algumas páginas das “Noites” falam por si.
Trecho de sua obra “As Noites de São Petersburgo”, décima primeira conversa:
O Conde
“(…) Em primeiro lugar, não garanto que todo iluminado seja franco-maçom, só estou dizendo que todos os que conheci, especialmente na França, o eram. Seu dogma fundamental é que o cristianismo, como o conhecemos hoje, não constitui uma verdadeira Loja azul feita para os seres vulgares, mas que depende do homem de desejo poder elevar-se de grau em grau até atingir os conhecimentos mais sublimes, assim como os tiveram os primeiros cristãos, que eram verdadeiros iniciados. Isto é o que alguns alemães têm chamado de Cristianismo Transcendental. Esta doutrina é uma mistura de platonismo, origenismo e filosofia hermética, sobre uma base cristã.
Os conhecimentos sobrenaturais são o grande objetivo de seus trabalhos e esperanças. Eles não duvidam que seja possível ao homem se colocar em comunicação com o mundo espiritual, fazendo alianças com os espíritos e assim descobrindo os mais raros mistérios.
Seu hábito invariável é dar nomes extraordinários às coisas mais conhecidas sob uma denominação consagrada. Desta forma, um homem para eles é um pupilo, e seu nascimento é a emancipação. O pecado original é conhecido como o crime primitivo; os atos da potência divina ou seus agentes no universo são chamados de bênçãos, e as penas infligidas aos culpáveis, castigos. Com frequência eram castigados, quando não era possível ter certeza de que tudo o que realmente diziam não passava mais do que o catecismo cheio de palavras estranhas.
Tive a oportunidade de me convencer, há mais de trinta anos, em uma grande cidade da França, que uma certa classe desses iluminados tinha graus superiores desconhecidos dos iniciados admitidos em suas reuniões ordinárias. Tinham inclusive um culto e alguns sacerdotes que designavam com a palavra hebraica Cohen.
Isso não significa que não possa haver, e de fato não há, coisas verdadeiras em suas obras, razoáveis e que chamam a atenção, mas são sofisticados demais porque o verdadeiro e o falso se misturam com o perigoso, sobretudo por causa de sua aversão por toda autoridade e hierarquia sacerdotal. Este caráter está muito generalizado entre eles e nunca pude reconhecer uma exceção entre os muitos adeptos que conheci.
O mais instruído, sábio e elegante dos teósofos modernos, Saint-Martin, cujas obras têm sido o código dos homens a quem me refiro, compartilhava, no entanto, desta característica geral. Morreu sem querer receber um padre e suas obras apresentam a prova mais clara de que não acreditava na legitimidade do sacerdócio cristão[1].
[1] Se refere ao sacerdócio da Igreja Católica.