Sello Oração E Caridade

Respeitável Loja de São João

Oração e Caridade nº 22

BLOG

O Culto Primitivo no Regime Escocês Retificado

Orígenes de Alexandria

Gravura de André Thévet (1516-1590) [2]

Fonte:
Boletim Geimme 82

Tradução:
BAI Prosdócimo

Sobre o silêncio que deve ser observado em nossas cerimônias

Sobre o silêncio, a música não está nem na tradição nem no espírito do Retificado, que se reveste de uma certa desnudez…

Unidade espiritual entre Willermoz e Saint-Martin

Unidade Espiritual Willermoz-Saint-Martin: A relação entre Louis Claude de Saint-Martin e Jean-Baptiste Willermoz é um tema fascinante…

Instalação de Venerável Mestre RL Cavaleiros de Cristo 19

A tarde foi realizada a instalação do Venerável Mestre da Respeitável Loja Cavaleiros de Cristo nº 19, por nosso Deputado Mestre…

OS PERIGOS E A INTOLERÂNCIA DO CLERO ATUAL – por J. B. Willermoz

Não podíamos ignorar esta classe que se tornou a mais intolerante, a mais obstinada em seu sistema e a mais perigosa, porque as vezes se gabam da sua ignorância…

A DISCIPLINA INICIÁTICA DO ABANDONO MÍSTICO DA ALMA À DIVINDADE

É sempre pela mesma Lei que se opera a santificação da universalidade dos seres emanados. Só será pelo sacrifício voluntário do livre arbítrio, pelo abandono absoluto da vontade pópria e pela aceitação desse abandono por parte de Deus, que poderá efetuar-se a sua união indissolúvel com aquele que opera a sua santificação.

CONVENÇÃO NACIONAL DO DNRF-GDDG EM MARSELHA

No último sábado, dia 02 de abril, foi realizado em Marselha a Convenção Nacional anual da Grande Loja, no Castelo de Santo Antônio da Grande Loja da França…

Camille Savoire e os “últimos vestígios da Iniciação Ocidental”

Camille Savoire se perguntava: O que querem constituir os artesãos do despertar do Retificado?, convidando tanto a pureza de intenções quanto ao cumprimento de seus únicos deveres.

Algumas questões importantes sobre Iniciação Maçônica no Rito Escocês Retificado

Algumas questões importantes sobre Iniciação Maçônica no RER: Se Willermoz dedicou mais de vinte anos para compreender a Iniciação maçônica…

Carta de Jean-Baptiste Willermoz sobre a Grande Profissão

Carta de Jean-Baptiste Willermoz sobre a Grande Profissão. Texto com assinatura 173, intitulado: Artigo secreto anexo a minha carta de 1º de setembro de 1807, publicado em castelhano no “Documentos Martinistas VI, Ed. Manakel, Madri, 2021.

Carta a um candidato a ser admitido em uma Loja Retificada

Carta a un candidato: Confidenciastes o vosso desejo de ser admitido na Maçonaria no Regime particular que segue a Loja à qual os Senhores…

ORÍGENES DE ALEXANDRIA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A DOUTRINA DE
MARTINES DE PASQUALLY

Jean-Marc Vivenza[1]

Fonte:
Boletim Geimme 82

Tradução:
BAI Prosdócimo

O Culto Primitivo no Regime Escocês Retificado

Orígenes de Alexandria

Gravura de André Thévet (1516-1590) [2]

Resumo: Orígenes († c. 253), que fundamentou sua tese sobre a “Queda” das almas na matéria em corpos densos e animais como resposta a uma falta anterior, baseando-se no relato do capítulo três do livro de Gênesis, onde é dito, após o episódio do pecado original: “Deus fez para o homem e para a mulher túnicas de pele” (Gênesis, 3:21), desenvolveu suas concepções em numerosos escritos, muitos dos quais, infelizmente, foram perdidos e, às vezes, até deliberadamente destruídos por contradizerem de forma categórica as posições oficiais da Igreja. Ele não hesitou em sustentar teses que parecem estar na fonte do pensamento martinesiano, incluindo aquelas que só podem ser encontradas entre os teólogos e doutores dos primeiros séculos – um ponto que praticamente o identifica como fonte direta, e não apenas conclusiva, das influências recebidas por Martines de Pasqually († 1774) – especialmente o caráter “necessário” que levou à decisão de criar o “mundo visível”.

I – A tese de uma criação realizada por “necessidade” demonstra claramente a influência das teses de Orígenes em Martines.

Após examinar as comparações que podem ser estabelecidas entre Martines de Pasqually († 1774) e as teses do judaísmo-cristianismo heterodoxo, e acrescentar a elas as pistas que foram um pouco negligenciadas para uma abordagem mais precisa, como os temas da gnose valentiniana, os pontos de vista do dualismo medieval, as referências da Cabala judaica-cristã, e o método literário do figurismo jansenista, parece faltar um elemento complementar importante. Sem ele, seria impossível explicar certas posições doutrinárias cuja originalidade escapou a Martines e que simplesmente foram negligenciadas pelos comentaristas desde os estudos realizados após o desaparecimento do fundador da Ordem dos Élus Cohen no século XVIII. Essas posições ocupam um lugar crucial na concepção metafísica do Tratado da Reintegração dos Seres em sua primeira propriedade, virtude e poder divino.

De fato, é evidente que nenhum dos comentaristas que estudaram as teorias de Martines de Pasqually desde o século XIX parece ter prestado muita atenção a um tema particular que, no entanto, é crucial na ontologia do Tratado da Reintegração dos Seres: a “necessidade” da ação divina na decisão de criar o mundo.

Esta “necessidade”, que confere à doutrina de Martines uma originalidade absolutamente única dentro das diversas correntes do esoterismo cristão, é um elemento identificador fundamental que permite identificar a fonte de uma posição tão singular. Essa tese da “necessidade” exercida sobre o Criador em sua decisão de constituir o mundo material foi sustentada, entre os pensadores dos primeiros séculos, apenas por um doutor cristão, Orígenes († c. 253), que foi condenado no Segundo Concílio de Constantinopla em 553, no meio do século VI, por meio da promulgação de quinze anátemas, devido à proximidade de seus ensinamentos com o gnosticismo [3].

Além disso, em reação a essa origem gnóstica da tese da criação “necessária” – que deriva diretamente da teoria da “emanação” das almas e de sua preexistência -, os Padres da Igreja formularam uma rejeição crítica à ideia de identidade de substância entre a alma e Deus. Orígenes foi arrastado por essa rejeição e foi criticado por suas influências neoplatônicas, uma vez que recebeu essa doutrina em Alexandria, onde desempenhou um papel importante em sua formação, aderindo a essa concepção e tentando que fosse aceita nos primeiros tempos do cristianismo primitivo.

II – Orígenes foi o único dos primeiros doutores cristãos a afirmar que o mundo foi criado por “necessidade”

Nesse sentido, algumas breves precisões nos ajudarão a compreender melhor o que caracteriza o ensinamento de Orígenes. Nascido no Egito em uma família cristã, ele recebeu uma educação helênica e formação bíblica. Em torno de 207, ao entrar em contato com pessoas interessadas em conhecer melhor a religião cristã, seus conhecimentos de filosofia grega, especialmente a influência do pensamento de Filão de Alexandria1 († c. 45), permitiram-lhe instruir pagãos, levando-os à conversão. Anteriormente, ele havia se aproximado do platonismo alexandrino de sua época ao estudar com Amônio Sacas († c. 245), fundador da escola neoplatônica de Roma, que mais tarde adotou o projeto de São Panteno († c. 216) e São Clemente de Alexandria († c. 215) de estabelecer uma espécie de universidade, a Didascalia, onde as ciências humanas serviriam à teologia. Nomeado sucessor de São Clemente, que havia liderado a escola catequética, ele ensinou lá de 212 a 231, desenvolvendo ao longo desses anos um estilo de ensino de grande originalidade teórica.

Por essa razão, fortemente influenciado pelo neoplatonismo filosófico, a tese apresentada por Orígenes em seu tratado “Dos Princípios”, sob o título da história escatológica do mundo criado, é a de um pecado cometido no céu por almas preexistentes que, como punição por sua falta, foram incorporadas a corpos carnais. Isso obrigou Deus a constituir o mundo material, sustentando que:

A matéria é criada depois das naturezas espirituais, e para elas, por causa de seu pecado.” [5]

Por isso, segundo Orígenes, sob a compulsão de um evento anterior, Deus constituiu o mundo material por “necessidade”, para amarrar e prender as almas transgressoras, afirmando categoricamente:

Dessa forma, Deus criou o mundo presente e amarrou a alma ao corpo, para seu castigo […] É evidente que há uma preexistência dos pecados para as almas […] a alma está amarrada, presa ao corpo.” [6]

Essas declarações sobre a preexistência das almas e o corpo como punição, sem qualquer modificação, são idênticas em Martines de Pasqually.

Por outro lado, entre os iniciados do século XVIII, Joseph de Maistre (1753-1821), que transitou de uma maçonaria desprovida de conteúdo doutrinário para o Regime Escocês Retificado em Chambéry, Saboia, descobriu o ensinamento deste sistema recém-constituído em Lyon em 1778 no “Convento das Gálias”. Com aguda análise, dado que era um leitor assíduo de autores antigos como Platão, a quem admirava, e dos neoplatônicos, percebeu que as teses defendidas pelos “iniciados de Lyon” estavam claramente relacionadas ao pensamento de Orígenes. Ele expressou isso em sua obra célebre, “Noites de São Petersburgo”, da seguinte maneira:

Esta doutrina é uma mistura de platonismo, origenismo e filosofia hermética, sobre uma base cristã.” [7]

III – Orígenes é uma fonte teórica direta no pensamento de Martines de Pasqually

“O originismo”, como era chamado no século XVIII, cujas posições Maîstre conhecia perfeitamente após ter lido e estudado extensivamente as Obras de Orígenes [8], professava teses que também se encontram em Martines, pois, para este último, a Criação não é um dom de amor do Criador, mas sim uma consequência de uma sanção, conforme declarações formais contidas no Tratado da Reintegração dos Seres, dos quais os seguintes são os principais trechos mais significativos:

Quando esses primeiros espíritos conceberam pensamentos criminosos, o Criador aplicou a lei de sua imutabilidade, criando este universo físico de aparência material para ser o lugar fixado onde esses espíritos perversos agiriam e exerceriam toda sua malícia.” (Tratado, § 6)

A emanação deste círculo [menor quaternário] não teria ocorrido sem a prevaricação dos demônios; sem essa prevaricação, não haveria criação material temporal, terrestre ou celeste; não tendo ocorrido nem uma nem outra, não haveria imensidade supraceleste; toda ação de emanação espiritual seria feita na imensidade divina, assim como toda espécie de criação de poder para os espíritos emanados nesta mesma imensidade. Considere então o que causou a prevaricação dos espíritos malignos; reflita sobre esta criação universal, reflita sobre sua emanação. Você aprenderá a conhecer a necessidade de todas as coisas criadas e de todo ser emanado e emancipado.” (Tratado, § 224)

Devem entender que a matéria primordial foi concebida pelo espírito bom para conter e subjugar o espírito maligno em um estado de privação e que, de fato, essa matéria primordial, concebida e dada à luz pelo espírito e não emanada dele, foi criada para estar à disposição exclusiva dos demônios.” (Tratado, § 274).

  Orígenes, por sua vez, traduziu assim o que Martines sustenta:

 “As almas, devido à excessiva decadência de sua inteligência, foram encerradas em corpos densos e compactos: foi para elas, para quem isso já era necessário, que este mundo visível foi criado.” [9]

É evidente, portanto, que estamos diante de uma fonte teórica direta para Martines, dado que Orígenes foi um ponto de referência para o dualismo medieval, a tal ponto que o catarismo foi considerado um “origenismo tardio” [10], podendo ter encontrado essa ideia do universo físico criado por “necessidade” em autores imbuídos de teses origenistas, seja nos escritos que circulavam no entorno da Cabala, judaica ou cristã, ou no próprio Orígenes, cujas obras completas foram publicadas no século XVIII [11]. Sabendo que, para os gnósticos e neoplatônicos, como declaram Orígenes e Martines, negando que a criação fosse um dom ou o efeito da pura Caridade de Deus, essa criação ocorreu como resultado de um acontecimento trágico, totalmente imprevisto, que se originou na região celeste e que obrigou a Deus, poderíamos dizer que a contragosto, contra sua vontade por estar “obrigado” e “forçado” a criar o mundo para que servisse de prisão e lugar de exílio, a fim de conter a expansão do mal que ameaçava se espalhar na imensidão divina. Assim, Martines traduz a prevaricação de Adão:

Sabemos que, sem essa liberdade, Adão não teria podido prevaricar, e sua prevaricação operou uma mudança tão considerável que o Criador se viu forçado a alterar a operação da criação geral e particular. Por criação geral, devemos entender a terra, e por criação particular, todos os seres menores que habitam tanto no corpo terrestre quanto no celeste. Sim, é essa prevaricação, que você não pode ignorar, embora ainda não compreenda plenamente sua natureza, que obrigou o Criador a ditar leis divinas em toda a sua criação.” (Tratado, § 42)

A criação do mundo visível, que se torna “necessária” para aprisionar as almas caídas em corpos de matéria, é o ponto que mais aproxima o pensamento de Orígenes das teses platônicas e gnósticas. Isso também permite vincular claramente Martines de Pasqually a essa fonte, como destacou acertadamente Charles-Émile Freppel (1827-1891) em seu estudo sobre o pensamento dos apologistas cristãos dos primeiros séculos:

O que Platão havia chamado de perda das asas, em sua linguagem graciosa, equivale em Orígenes a uma perda de calor ou a um resfriamento; mas, no fundo, a ideia é a mesma em ambas as partes. Enquanto essas inteligências, que mais tarde se tornaram almas humanas, conservaram dentro de si o fogo divino, tiveram uma envoltura fina, sutil, etérea; com sua queda, essa vestimenta se tornou mais densa, dando lugar a um corpo carnal e grosseiro. A partir de então, foi necessário um novo mundo que pudesse estar em harmonia com essas almas encarnadas e servir de cenário para sua purificação: daí este universo visível que Deus criou para elas. O mundo atual deve, portanto, sua origem à queda das almas: é o resultado de um movimento de cima para baixo, de uma descida […] Ora, é indiscutível que essa teoria tem um parentesco com os sistemas gnósticos…” [12]

IV – Orígenes sustenta, assim como Martines de Pasqually depois dele, que antes da Queda as “almas” subsistiam no seio do Princípio, sendo uma mesma “substância” com ele

Mas além da questão da criação por “necessidade”, todos os grandes temas martinesianos já estavam presentes em Orígenes: a emanação, a desobediência das substâncias espirituais que leva à criação “necessária” do mundo material, a punição do confinamento em corpos de carne, o destino do universo físico em sua aniquilação no final dos tempos. Assim, é fácil compreender por que Joseph de Maîstre pôde afirmar, cuidando para evitar o erro frequente de confundir o origenismo com o maniqueísmo, que para Orígenes o mal não é de forma alguma um “princípio” coeterno com o “Bem”, mas sim um não-ser, uma não-substância que não possui nenhum dos critérios de independência ontológica:

A [doutrina] de Orígenes não tem nada em comum com o maniqueísmo. Podemos ver que ainda hoje é a base de todas as iniciações modernas.” [13]

Assim, a teoria da “emanação” – que desempenha um papel decisivo em Martines de Pasqually, embora tenha sido constantemente condenada pelos Padres da Igreja por considerarem que esta tese fazia parte do “panteísmo”, ao não respeitar a distinção entre substância criada e substância incriada, e cair no terreno da confusão metafísica [14] – encontra-se, no entanto, em Orígenes, o que representa um traço doutrinal extremamente original. Segundo ele, a “emanação” designa um modo de geração reservado exclusivamente aos seres espirituais, indicando precisamente, por esta denominação particular, uma autêntica identidade de “substância” entre Deus e os espíritos designados como “seres emanados”, enquanto que a “Criação”, no que se refere ao seu próprio modo de produção, aplica-se apenas ao composto material, especificando seu caráter “segundo”, isto é, “necessário”, contingente e distante em relação ao “Princípio”.

V – A teoria de Orígenes sobre a emanação das almas desempenha um papel determinante

Orígenes defendeu efetiva e positivamente a “consubstancialidade” de todos os seres espirituais com Deus, algo que foi singularmente ignorado pelo estamento eclesiástico. Podemos, portanto, afirmar com razão que existe um verdadeiro parentesco entre o doutor cristão dos primeiros séculos e as teses expressas por Martines de Pasqually, já que, segundo o cristão alexandrino, condiscípulo de Plotino (205-270) junto com Amônio Saccas, antes da Queda, as naturezas espirituais, ou seja, as “almas”, subsistiam no seio do Princípio, com o qual eram uma mesma “substância”, o que explica por que, após a “reintegração” dos seres espirituais na unidade primitiva, voltarão a constituir uma mesma substância com Deus. Orígenes, em apoio de sua ideia de Adão como alma “emanada” criada à imagem e semelhança de Deus, proveniente da mesma substância que Deus, invoca esta passagem do Eclesiastes:

O que foi, isso será, e o que se fez, isso se fará; não há nada novo sob o sol. Há algo de que se possa dizer: Olha, isso é novo? Já existia nos séculos que nos precederam.” (Eclesiastes, 1:9-10).

 A “emanação” e a “reintegração” de Orígenes são, portanto, um processo que devolve todas as almas emanadas de Deus ao seu estado original. Além disso, São Jerônimo († 420), que traduziu o Livro IV do Peri Archôn, confirmou sem ambiguidade a tese da emanação de Orígenes:

Ele acrescenta ao final do mesmo volume: ‘Todas as naturezas racionais, ou seja, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, os Anjos, as Potestades, as Dominações e as demais Virtudes, o próprio homem, segundo a dignidade da alma, são de uma mesma substância’. O título de natureza intelectual e racional, diz ele, é próprio de Deus, de Seu Filho unigênito, do Espírito Santo; é próprio dos Anjos, das Potestades, de todas as Virtudes; é próprio do homem interior, que foi criado à imagem e semelhança de Deus… De onde se conclui que Deus e esses seres são, de certo modo (quodammodo), de uma mesma substância.” [15]

VI – Para Orígenes, as almas foram “emanadas” de forma incorpórea por Deus, que também é incorpóreo

Consequentemente, isto é o que Orígenes realmente escreveu, sustentando que as almas preexistiam em um estado incorpóreo – o que significa que eram espíritos imateriais que emanavam da substância imaterial divina, tese retomada quase palavra-por-palavra por Martines em seu Tratado –, antes de serem precipitadas em corpos de carne como consequência de um esfriamento de sua fé, após se cansarem de sua condição contemplativa:

“Todas as almas e todas as naturezas racionais foram feitas ou criadas, sejam santas ou malvadas; todas são incorpóreas segundo sua própria natureza, mas, no entanto, foram feitas por essa mesma coisa incorpórea; já que ‘todas as coisas foram feitas por Deus por meio de Cristo’, como ensina geralmente João no Evangelho, dizendo: ‘No princípio era o verbo’, etc.” [16]

O imperador Justiniano (482-565) descreveu claramente, e naturalmente condenou, o que professavam os discípulos de Orígenes:

As substâncias intelectuais estavam além de todo número e nome, de modo que todos os seres racionais eram uma unidade pela identidade de substância e energia e pelo poder e pela união com Deus-Logos e pelo conhecimento; e, tendo-se tomado a si mesmos como de uma saciedade da caridade de Deus e da contemplação divina, conforme a proporção da inclinação de cada um para o pior, revestiam-se de corpos mais sutis ou mais densos, e recebiam nomes; dos quais procedem as potências celestes que servem a Deus…” [17]

Esta tese original, característica das proposições do doutor alexandrino, que alguns, no entanto, colocaram em dúvida após sua morte, presumivelmente por temerem que um doutor cristão pudesse sustentar uma visão extremamente próxima às concepções do dualismo gnóstico, é explicitamente confirmada por Santo Agostinho († 430). Abordando as seguintes questões em sua monumental obra intitulada “A Cidade de Deus”: “Quem fez o mundo?”, “Com que meios?”, “Com que objetivo?”, ele escreveu o seguinte, fornecendo uma certeza perfeita sobre a natureza das proposições sustentadas por Orígenes sobre o motivo que levou Deus a criar este mundo:

Muito mais estranho é que até mesmo alguns que, conosco, admitem um único princípio de todas as coisas (…) Dizem que as almas, que não são parte de Deus, mas feitas por Deus, pecaram ao se afastarem do Criador; e que, descendo por diversas etapas, conforme a diversidade dos pecados, dos céus para a terra, mereceram diferentes corpos como prisões. Este é o mundo e esta é a razão de sua criação, não a criação de coisas boas, mas a repressão dos males. Isso é justamente acusado a Orígenes. Nos livros que ele chama de Περὶ ἀρχὦν, ou seja, Sobre os Princípios, ele pensa e escreve dessa maneira.” [18]

Além de Santo Agostinho, o testemunho de Teófilo de Alexandria († 412) também confirma a presença dessa ontologia negativa em Orígenes, pois inicialmente seduzido por suas posições, tornou-se um decidido opositor dela, e pronunciou-se contra a ideia de um mundo criado por Deus sob coação para aprisionar nele as almas pecadoras, expressando-o nos seguintes termos:

Por qual raciocínio, por qual cadeia de argumentação, Orígenes foi levado a substituir o significado literal das Escrituras pelas sombras da alegoria e imagens vãs? Qual profeta ensinou a opinião de que, devido à queda das almas do céu, Deus foi obrigado a modelar os corpos? Qual daqueles que, segundo a expressão de São Lucas, ‘o viram e foram ministros da palavra de Deus’, lhe ensinou, por uma tradição doutrinária, que foi devido à negligência, mobilidade e incapacidade de se manterem em um grau superior manifestado pelas criaturas racionais, que Deus se comprometeu a criar a diversidade do mundo que está diante de nossos olhos, enquanto Moisés, explicando a criação, nem disse nem deu a entender que, por alguma causa anterior, dos seres dotados de razão foram extraídos os seres sensíveis, dos seres invisíveis os visíveis, dos seres melhores os piores, como Orígenes ensina muito claramente… Ele diz, de fato, que foi devido aos pecados das criaturas espirituais que o mundo começou a ser […].” [19]

VII – A “emanação” das almas, teoria que passou de Martines de Pasqually para o Regime Escocês Retificado de Jean-Baptiste Willermoz, é uma tese que se origina das correntes neoplatônicas, dos gnósticos dos primeiros séculos e de Orígenes

Assim, quando Jean-Baptiste Willermoz explica a razão da potencial fragilidade espiritual dos anjos, devido ao mau uso que podem fazer de sua liberdade – assim como o homem, cuja natureza compartilham como “seres emanados” -, ele retoma, seguindo Martines de Pasqually, uma teoria com uma origem facilmente identificável na história das ideias, proveniente das teses dos neoplatônicos que a defendiam, dos pensadores gnósticos dos primeiros séculos e, sobretudo, de Orígenes:

Ao emanar Deus de seu centro divino inúmeras multidões de seres espirituais, esses seres foram dotados, por sua emanação, das três faculdades de pensamento e intenção, de vontade e de ação espiritual, que obtiveram com sua existência no princípio gerador. Eles são necessariamente dotados dessas três poderosas faculdades, para que, mediante sua cooperação, possam render livremente uma homenagem que, devido a essa liberdade, seja ao mesmo tempo mais agradável ao Criador e assegure sua própria felicidade. Com a emanação que os dá uma existência individual fora do centro divino, eternamente distinta e indestrutível, eles recebem ao mesmo tempo leis, preceitos e mandamentos divinos que se relacionam com suas três faculdades espirituais, e é pela livre observância dessas leis, preceitos e mandamentos que podem render ao seu Criador o culto puro de seu amor, em toda a intensidade de sua ação espiritual, e permanecer eternamente unidos a Ele, se forem fiéis; assim como também podem tornar-se culpados e eternamente infelizes se se afastarem delas, ou se não repararem suas faltas através de um arrependimento sincero, como aconteceu a Lúcifer, que se tornou rebelde, aos anjos que ele arrastou para a rebelião, e depois ao homem, a quem tentou, seduziu e subjugou. Assim, essa liberdade que é o princípio da felicidade individual dos seres espirituais, assim como das inteligências humanas, e que ao mesmo tempo pode se tornar tão fatal para eles pelo abuso que podem fazer dela, é realmente uma fraqueza espiritual em todos os seres emanados, uma fraqueza que essencialmente caracteriza para sempre sua inferioridade e sua dependência absoluta do Criador.” [20]

VIII – Segundo o maniqueísmo, a alma do homem possui uma natureza e uma substância idênticas às de Deus

O que é notável é que a tese da emanação é uma espécie de marca distintiva, um “fundamento” comum a todas as correntes filosóficas e metafísicas dualistas que surgiram na época do aparecimento do cristianismo no cenário da história, cuja origem é facilmente identificável e suas pegadas são bem conhecidas pelos historiadores. Henri-Charles Puech (1902-1986), por exemplo, que dedicou grande atenção às teorias dualistas e as tornou objeto de grande parte de suas pesquisas, mostrou como o conceito de emanação está decisivamente presente no maniqueísmo:

No maniqueísmo, as almas humanas são partes ou fragmentos da Alma universal (ou seja, a própria alma de Deus), engolidas pelas Trevas após a derrota do Homem Primordial junto com ele. Isso é a alma, o ‘eu’ de Deus; é de substância divina, a própria existência que Deus é [da substância de Deus, a própria existência que Deus é] (Agostinho, Contra Fausto, XI, 3), uma ‘projeção’ ou ‘emanação’ da substância divina, uma ‘parte’ de Deus […] uma ‘porção’ ou ‘fragmento’ da Luz. O Homem Primordial é uma ‘emanação consubstancial à sua fonte’ (João Ortodoxo, Discussão com um maniqueu, PG, XCVI, 1321 A/B) […] Portanto, cada alma humana é, por sua vez, uma partícula da alma fragmentada do Homem Primordial e, como tal, também uma parte da Luz ou de Deus. As almas individuais são ‘porções’ e ‘membros’ de Deus ou partes da alma universal. Poder-se-ia dizer que a alma procede da própria substância divina (Jerônimo, C. Joh. Hierosol., 17 e 21), que tem uma natureza e substância idênticas às de Deus (Agostinho, C. mendacium, V, 8-9) ou – e os textos são claros neste caso – que é ‘consubstancial’ com Deus (Atos de Arquelau, XXXVI, 8).” [21]

Seria por oposição a esta origem maniqueísta e gnóstica da teoria da “emanção” que os Padres da Igreja formularam uma crítica à ideia de uma identidade de substância entre a alma e Deus, influenciados pelo neoplatonismo ensinado em Alexandria, o qual desempenhou um papel decisivo na formação de Orígenes ao aderir a essa concepção e tentar que fosse aceita nos primeiros tempos do cristianismo primitivo, até que o segundo Concílio de Constantinopla, no século VI, censurou sua visão metafísica com anátemas.

IX – A concepção metafísica do Tratado sobre a Reintegração dos Seres só encontra sua razão de ser na ruptura original dentro da imensidade divina

Se continuarmos a examinar os temas comuns entre Orígenes e Martines, torna-se evidente, pela leitura, que o episódio da “revolta dos anjos” ocupa um lugar absolutamente determinante e central no Tratado sobre a Reintegração dos Seres. Segundo essa visão, sem esse acontecimento trágico que perturbou radicalmente a ordem divina, tudo teria sido preservado em seu estado inicial de harmonia, sem jamais mudar nada naquilo que era a vida, perfeitamente regulada e estabelecida para sempre dentro da imensidade divina. Martines resume isso de forma significativa em uma frase que pode ser considerada como presidindo toda a ontologia interna da doutrina da reintegração:

Sim, Israel, repito, sem a prevaricação do homem, os espíritos divinos teriam permanecido sujeitos ao temporal de uma maneira, e se os primeiros espíritos não o tivessem feito, não estariam em absoluto. Sem essa primeira prevaricação, nenhuma mudança teria ocorrido na criação espiritual, e não haveria emancipação de espíritos fora da imensidade, nem criação de limites divinos, seja supra-celestes, celestes ou terrestres, nem espíritos enviados para agir nas diferentes partes da criação. Não há dúvida sobre tudo isso, pois os espíritos menores ternários jamais teriam deixado o lugar que ocupavam na imensidade divina para formar um universo material. Portanto, Israel, os homens menores nunca teriam ocupado esse lugar e não teriam sido emanados de sua morada inicial, ou se o Criador tivesse escolhido emaná-los de seu seio, nunca teriam recebido todas as ações e poderosas faculdades com que estavam revestidos, preferencialmente a qualquer outro ser espiritual divino emanado antes deles.” (Tratado, § 237).

Assim, podemos ver claramente como a concepção cosmológica e metafísica do Tratado sobre a Reintegração dos Seres encontra sua razão de ser e sua explicação apenas a partir e em função deste evento de ruptura original dentro da imensidade divina. Esse evento desempenha um papel fundamental, pois foi devido à queda dos anjos que o “mal” fez sua aparição, passando repentinamente do não-ser para a realidade, da negatividade em uma região celestial que era ignorante e completamente preservada dele. Este fato representa o elemento central a partir do qual as teses da doutrina iniciática se desenvolvem e se articulam em sua coerência.

X – O mal surgiu antes que o Eterno decidisse criar o mundo

A aparição do mal – e este é um ponto de extrema originalidade que efetivamente aproxima o ensinamento martinesiano das diversas expressões da gnose dualista, e em particular das teses de Orígenes [22] – ocorre antes da decisão do Eterno de criar o mundo. Isso é de grande importância e não trivial do ponto de vista metafísico, pois, dentro desta visão, foi a revolta angelical que compeliu Deus a dar vida ao universo físico, confiando aos anjos que permaneceram fiéis a ordem de sua construção. Isso coloca o mal na origem da decisão de criar o mundo material, o que representa uma inversão completa da cronologia dos eventos em relação ao discurso da Sagrada Escritura no primeiro capítulo do Gênesis. Além disso, e isso tem implicações teológicas profundas, esta concepção nega a livre caridade do ato criador, uma vez que esse ato é marcado por um caráter indiscutível de ‘necessidade’ forçada, surgida não de uma intenção inicial, mas como uma resposta subsequente a um evento anterior.

Assim, de acordo com a concepção martinesiana posteriormente adotada por Jean-Baptiste Willermoz e mantida pelo Regime Retificado em seus ensinamentos desde então, ocorre uma mudança profunda, que poderia ser considerada radical, na percepção da natureza do mundo criado. Segundo esta visão, foi após a traição dos espíritos demoníacos que se decidiu construir o universo material como um lugar de exílio e ‘prisão’ para os espíritos rebeldes. Isso confere um caráter peculiar, para dizer o mínimo, a uma tese que claramente difere do relato bíblico e das concepções definidas pelos Padres da Igreja, concepções que foram oficialmente estabelecidas nos vários concílios pelos teólogos, os quais enfatizaram, neste ponto de extrema importância teológica, a completa liberdade de Deus em sua vontade de criar, destacando que essa vontade era absolutamente livre e um dom de amor gratuito totalmente desprovido de ‘necessidade’ [23]. 

O que continua sendo extremamente surpreendente, para dizer o mínimo, na história contemporânea das pesquisas e avanços na compreensão das teses do esoterismo ocidental, especialmente das concepções de Martines de Pasqually, é que a ideia de uma criação forçada, que é quase central na visão martinesiana, tenha sido simplesmente ignorada. Tanto é assim que, quando esta dificuldade problemática foi apontada pela primeira vez – primeiro em 2006, com a publicação de um estudo sobre o pensamento dos “mestres fundadores” [24], e depois especialmente em 2012, com o livro intitulado “A doutrina da reintegração dos seres: Martines de Pasqually, Louis-Claude de Saint-Martin e Jean-Baptiste Willermoz à luz do pensamento de Orígenes” [25] – alguns, surpreendidos e certamente frustrados em sua convicção de que havia uma “harmonia” perfeita entre a Maçonaria cristã e o ensinamento da Igreja, chegaram a negar, contra a realidade objetiva, que essa “necessidade” fosse efetivamente um fator determinante da doutrina martinesiana. Só mais tarde, diante da impossibilidade de negar o evidente, consideraram que fazia parte de uma heresia gnóstica e, portanto, deveria ser corrigida, modificada ou até mesmo suprimida, especialmente das instruções secretas do Regime Escocês Retificado.

Este aspecto do tema, longe de ser apenas anedótico, permite-nos medir a importância e compreender o ponto fundamental dessas questões teóricas quanto à verdadeira natureza dos ensinamentos das sociedades iniciáticas, particularmente os derivados da herança doutrinal de Martines de Pasqually.

Conclusão: a queda dos anjos é a origem da existência do mal, a fonte da ontologia negativa de Martines

Seja como for, podemos claramente perceber as imensas consequências da revolta angelical no pensamento de Orígenes e Martines de Pasqually, pois foi a partir desse evento, segundo eles, que se tomou a decisão de criar o universo físico como um lugar de exílio destinado a confinar os espíritos transgressores. Isso explica as considerações desfavoráveis em relação à matéria no Regime Escocês Retificado, onde, ao ingressar na Via Maçônica, o candidato ouve estas palavras:

“[…] cultive tua alma imortal e perfectível, e torne-a capaz de se unir à origem pura do bem, então ela será libertada dos grosseiros vapores da matéria.” [26]

Portanto, é importante examinar as fontes primárias do mito da queda dos anjos, especialmente as fontes babilônicas e assírias, que transformaram este episódio, adquirindo uma importância extraordinária ao longo dos séculos, em um fruto de uma reformulação tardia pelos escritos apócrifos judaicos. Este mito teve um sucesso imenso por responder a uma infinidade de perguntas insolúveis, especialmente aquelas relacionadas à presença massiva do “mal” em um mundo teoricamente criado por um Deus inicialmente bom e todo-poderoso. A aparente aceitação do negativo é tão dominante que nada pode explicá-la ao examinarmos a dialética interna que percorre todos os níveis da realidade terrestre.

Dessa forma, esta questão, sob a forma de um enigma constante que atravessou os séculos e gerou infinitas reflexões e especulações em cada geração, foi a fonte de praticamente todas as teses filosóficas conhecidas desde tempos imemoriais. Com o mito da rebelião dos anjos, encontrou-se uma resposta capaz de oferecer explicações, se não completamente coerentes, pelo menos aceitáveis sobre a existência do mal.

No entanto, enquanto a rebelião dos anjos pode ser rastreada nas referências escriturais e patrísticas, incluindo a literatura apócrifa que aborda o enigma da presença do mal [27] – por exemplo, formalmente mencionado no Novo Testamento, especialmente na segunda epístola de Pedro: “Pois se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas, lançando-os no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, reservando-os para juízo…” (2 Pedro, 2:4), assim como na epístola de Judas: “E aos anjos que não guardaram sua posição, mas abandonaram seu próprio domínio, ele os tem mantido em prisões eternas, sob trevas para o juízo do grande dia…” (Judas, 1:6) -, é muito diferente da tese origeniana retomada por Martines de Pasqually que sustenta que a rebelião dos anjos “forçou” e obrigou “o Criador” a estabelecer as leis de sua imutabilidade, “ordenando aos espíritos ternários que construíssem o mundo material como uma ‘prisão’ para os espíritos rebeldes”. No contexto cosmológico, esta é uma concepção totalmente original, apoiada apenas por Orígenes entre os autores cristãos dos primeiros séculos, que confere ao “mal” um papel absolutamente decisivo no ato criador. Isso nos leva a entender que tudo o que permanece no ser neste mundo é estabelecido e determinado por uma “lei de imutabilidade” – tanto seres vivos quanto coisas inanimadas – inicialmente marcados pelo selo do negativo. Portanto, logicamente, a “reintegração universal”, na qual a aniquilação da matéria e o retorno ao Princípio original de todo composto material ocorrerão no final dos tempos, na consumação dos séculos, representa uma verdadeira e autêntica libertação.

Portanto, esta ontologia negativa, claramente de origem origeniana, que coloca o princípio da “necessidade” no início do que obrigou Deus a decidir pela criação do mundo material, foi resumida por Martines de Pasqually, como fiel seguidor de Orígenes, cujo pensamento foi reformulado com grande originalidade no século XVIII. Ele condensou essa tese em uma frase fundamental da doutrina da reintegração, que é apropriada citar mais uma vez para concluir, por ser tão característica da visão metafísica compartilhada pelo mestre da escola alexandrina e pelo fundador da Ordem dos Élus Cohen:

Sem esta primeira transgressão […] os espíritos menores ternários jamais teriam deixado o lugar que ocupavam na imensidão divina para realizar a formação de um universo material.” (Tratado, § 237).

 

Notas:

[1] Palestra apresentada no Seminário de Pesquisa “Martines de Pasqually, herdeiro de uma Tradição filosófica esquecida”, realizado no dia 25 de abril de 2024 no Auditório da Faculdade de Filosofia de Sevilha.

[2] Cf. A. Thevet, Os verdadeiros retratos e vidas de homens ilustres gregos, latinos e pagãos, Paris, 1584.

[3] Cf. C.-J. Hefele, História dos Concílios segundo os documentos originais, trad. Dom H. Leclercq, monge beneditino da Abadia de Farnborough, Paris, Letouzey et Ané editores, 1909, t. III, L. XIVe, cap. 1º, pp. 1-5; 72-74; 120-123; 132-134 ss.

[4] Orígenes conhecia perfeitamente as obras de Filão de Alexandria, as quais utilizou extensivamente. Os pesquisadores identificaram quase trezentas referências ao filósofo alexandrino nos textos escritos por Orígenes no tratado Dos Princípios.

[5] Orígenes, De Principiis / Περὶ Ἀρχῶν, II, 2, 2, em Orígenes Werke, Quinto volume, por Paul Koetschau, Academia Prussiana de Ciências, Leipzig 1913, p. 112.

[6] Ibid., páginas 95-97.

[7] J. de Maîstre, As Noites de São Petersburgo, ou Diálogos sobre o governo temporal da Providência, Décimo Primeiro Diálogo, Guy Trédaniel, éditions de la Maisnie, vol. II, 1980.

[8] No texto Esclarecimentos sobre os Sacrifícios (1810), escrito aproximadamente na mesma época que As Noites de São Petersburgo, Maîstre faz numerosas referências a Orígenes, citando extensivamente sua principal obra, o tratado De Princípios, assim como suas Homilias e Comentários, em particular o Comentário ao Evangelho de João, utilizando como referência a edição completa das obras de Orígenes realizada no século XVIII. Para um estudo dos vínculos e correspondências que podem ser estabelecidos entre o pensamento de Orígenes e as teses de Martines de Pasqually, Louis-Claude de Saint-Martin e Jean-Baptiste Willermoz, consulte: J-M Vivenza, A doutrina da Reintegração dos Seres, La Pierre Philosophale, 2012.

[9] Orígenes, op. cit., p. 273. “Et his animabus quae ob nimios defectus mentis suae crassioribus istis et solidioiribus indiguere corporibus, et propter eos, quibus hoc erat neeessarinm, mundus iste visibilis institutus est.” (“E essas almas, que devido aos grandes defeitos de sua mente, necessitavam desses corpos mais densos e sólidos, e por causa delas, para quem isso era necessário, este mundo visível foi instituído.”)

[10] Jean Duvernoy (1917-2010), um dos primeiros, em seu documentado estudo sobre o fenômeno cátaro (“A religião dos cátaros”, Éditions E. Privat, 1976) – que continuava a tese de Hans Rudolf Söderberg (1913-1988): “A religião dos cátaros: estudo sobre o gnosticismo da baixa antiguidade e da idade média”, Uppsala (Suécia), Almqvist e Wiksell, 1949 -, sublinhou até que ponto os partidários do dualismo medieval eram devedores das ideias de Orígenes. Marcel Dando, sobre este tema do vínculo entre catarismo e origenismo, também publicou um estudo em três partes, “De Orígenes aos cátaros”, nos Cahiers d’Études Cathares, Boletim da Sociedade do Memória e Estudos Cátaros.

[11] Depois que Erasmo († 1536) tomou a iniciativa em Basileia, o padre beneditino Charles de la Rue († 1739) empreendeu na França uma edição completa de Orígenes, continuada por Dom Charles-Vincent de la Rue (1707-1762), seu sobrinho, que publicou em Paris, em 1759, o último volume anotado de Origeniana. Esta edição teve um impacto significativo entre eruditos, pesquisadores e teólogos, e não é de todo impossível que Martines tenha tido acesso a essa edição, inspirando-se nela para várias de suas referências doutrinárias (Obras completas em 4 vols. com notas da edição de Origeniana de Pierre-Daniel Huet, 1668, Comentários gregos e latinos de Orígenes sobre o Novo Testamento, cf. Manuscritos da Biblioteca de Lyon, 1812).

[12] Monsenhor Freppel, em “Orígenes”, Paris, Retaux-Bray, 1888, p. 400-401.

[13] Maistre, Mélanges B, em É. Dermenghem, Le Correspondant, 94ª Ano, t. 287, n° 1432, 25 de maio de 1922, p. 302.

[14] Santo Irineu, que foi quem mais se dedicou ao tema, dirigiu a maior parte de suas críticas contra as ideias gnósticas, denunciando as afirmações emanatistas de Saturnino, Basílides e Valentino. Para citar apenas um exemplo ilustrativo, é interessante o seguinte trecho, que mostra Basílides defendendo a geração dos Anjos por emanação: “Segundo ele [Basílides], do Pai não gerado veio primeiro o Intelecto, depois do Intelecto o Logos, depois do Logos a Prudência, depois da Prudência a Sabedoria e o Poder, depois do Poder e da Sabedoria as Virtudes, os Arcontes e os Anjos, aos quais ele chama de primeiros e por meio dos quais foi criado o primeiro céu. Em seguida, por emanação desses, outros Anjos vieram à existência e fizeram um segundo céu semelhante ao primeiro. Da mesma forma, outros Anjos passaram a existir por emanação dos anteriores, como réplicas daqueles que estavam acima deles, e fizeram um terceiro céu. Depois, a partir desta terceira série de Anjos, surgiu uma quarta por degradação, e assim sucessivamente. Desta forma, sustentam, surgiram sucessivas séries de Arcontes e Anjos, até atingir 365 céus. E é por essa razão que há o mesmo número de dias no ano, de acordo com o número de céus. Os Anjos que ocupam o céu inferior, aquele que vemos, criaram tudo o que há no mundo e dividiram a terra e as nações que nela existem.” (Cf. Contra as Heresias, 3ª Parte, “Origem do Valentinismo”, I. Os Antecessores dos Valentinianos).

[15] São Jerônimo, Epístola CXXIV, ad avit, 15.

[16] Orígenes, De Principiis, 7, 1, K. “Omnes animae atque omnes rationabiles naturae factae sunt vel creatae, sive sanctae illae sint, sive nequam; quae omnes secundum propriam naturam incorporeae sunt, sed et per lioc ipsum, quod incorporeae sunt, nihilominus factae sunt; quoniam quidem ‘omnia a deo per Christum facta sunt’, sicut generaliter Iohannes docet in evangelio dicens: ‘In principio erat verbum’, etc…?” (“Todas as almas e todas as naturezas racionais foram feitas ou criadas, sejam elas santas ou ímpias; todas são incorpóreas segundo sua própria natureza, mas mesmo por isso, que são incorpóreas, foram feitas; pois ‘todas as coisas foram feitas por Deus por meio de Cristo’, como João geralmente ensina no evangelho, dizendo: ‘No princípio era o Verbo’, etc…”)

[17] Cf. Carta do rei Justiniano ao Santo Concílio sobre Orígenes e aqueles que pensam como ele, Mansi, IX, 536-537, (K., p. CXXI).

[18] Santo Agostinho, A Cidade de Deus, Livro XI, cap. XXIII, “Do erro reprochado à doutrina de Orígenes”, tradução de Émile Saisset, em Obras Completas de Santo Agostinho, vol. XIII, texto compilado por Poujoulat e Raulx, L. Guérin & Cie, 1864, p. 238.

[19] Teófilo de Alexandria, Carta Pascal de W2, 10, em Cartas de São Jerônimo (Correspondência com São Jerônimo), capítulo XCVIII.

[20] J.-B. Willermoz, 6º Caderno, “Sobre o livre-arbítrio de todos os seres espirituais emanados e das inteligências humanas, e sobre a grande e importante diferença entre seu estado de emanação e seu estado de emancipação”, op. cit.

[21] H. C. Puech, O Maniqueísmo, Seu fundador, Sua doutrina, Museu Guimet, Biblioteca de difusão, volume LVI. Paris, Civilizações do Sul. S.A.E. P., 1949, p. 154. Além desta explicação sobre a teoria da emanação, se tentarmos esclarecer as posições de Martines e Willermoz da acusação de heterodoxia, invocando o fato de que é efetivamente o Criador quem deu a ordem para a constituição do mundo aos espíritos, é exatamente o mesmo no maniqueísmo, onde o “Bom Princípio” está na origem da decisão de criar o mundo, uma criação que é realizada usando a matéria cujo propósito é conter os espíritos rebeldes: “No entanto, há uma diferença neste ponto entre o gnosticismo clássico e o maniqueísmo: enquanto no gnosticismo o mundo é obra de um Deus inferior ou maligno, o ‘Demiurgo’ maniqueísta é um poder que emana do mundo luminoso, e a organização do universo está nas mãos de entidades superiores e boas que transformam o cosmos em uma vasta máquina defensiva destinada a limitar o dano causado pela irrupção do Mal, a prevenir futuros ataques das Trevas e a permitir a libertação progressiva, e portanto a salvação, das parcelas de Luz engolidas após a catástrofe inicial. Neste sentido, o maniqueísmo permanece fiel a uma das inspirações fundamentais do mazdeísmo […].” (Cf. Shkandgumânîk vichûr, IV, 73-80, VII, 14-25, e, sobretudo, VIII, 50-53, tradução de Menasce: “Devemos também saber que o motivo e a causa de suas ações (sc. do ‘Criador sábio, onisciente e todo-poderoso’) são exclusivamente repelir e impedir o dano que vem do Adversário e do Destruidor, que é necessariamente externo, e que este é o motivo e a causa próprios da criação. Devemos também saber que este sábio Criador tem uma boa vontade, que sua vontade é constantemente boa.” (Ibid., p. 153).

[22] Paul Koetschau (1857-1939), que se dedicou à crítica textual e à história da transmissão dos escritos patrísticos, especialmente os de Orígenes, conseguiu, por meio de suas profundas investigações, reconstruir os trechos censurados por Ruffin de Aquileia († c. 411) que apareciam na versão original do “De Principiis (Peri Archôn)” de Orígenes, obra que, como já destacamos, apoiava proposições encontradas em Martines sobre a queda dos anjos: “Antes da criação do mundo, todas as substâncias intelectuais eram puras – demônios, almas e anjos; serviam a Deus e observavam seus mandamentos. Mas o demônio, que tinha sua própria autonomia, quis se opor a Deus; e Deus o rejeitou; todas as outras potências se afastaram com ele; algumas pecaram muito e se tornaram demônios; outras pecaram menos e se tornaram anjos; outras ainda menos, arcanjos; e assim cada uma recebeu uma condição proporcional ao seu próprio pecado. Restaram as almas que não pecaram o suficiente para se tornarem demônios, nem o suficiente para se tornarem anjos. Portanto, Deus trouxe à existência o mundo e ligou a alma ao corpo para seu castigo […]. É evidente que existe uma preexistência de pecados para as almas, pecados pelos quais cada alma recebe o que é justo. Elas são enviadas para longe de Deus para serem castigadas, para receber aqui embaixo um primeiro julgamento […] a alma está amarrada, acorrentada no corpo.” (Orígenes, De Principiis / Περὶ Ἀρχῶν, Preußischen Akademie der Wissenschaften, op. cit, pp. 95-97).

[23] “Não convém dizer que Deus, que está acima de todas as coisas, que é livre e senhor de seus atos, teria sido escravo da necessidade, de modo que permitisse certas coisas contra Sua vontade; do contrário, a necessidade se tornaria algo maior e soberano do que Deus, pois o que tem mais poder prevalece sobre tudo. Ele deveria ter eliminado as causas da necessidade desde o início, em vez de se envolver na necessidade permitindo algo que não estava correto permitir. Na verdade, teria sido muito melhor, muito mais lógico, muito mais digno de Deus eliminar desde o princípio o próprio princípio de tal necessidade, em vez de tentar depois, como se estivesse arrependido, pôr fim à imensa ‘frutificação’ resultante dessa necessidade. Se o Pai de todas as coisas é escravo da necessidade, também cai sob o domínio do destino, submetido, apesar de Si mesmo, aos eventos e incapaz de fazer qualquer coisa contra a necessidade e o destino…” (S. Ireneo, Adv. Haer., II, v, 4, PG, VII, i, 723).

[24] Cf. Jean-Marc Vivenza, O Martinismo, o ensinamento secreto dos Mestres, Le Mercure Dauphinois, 2006. Editado em espanhol: Os ensinamentos secretos do Martinismo, Ed. Manakel, Madrid, 2010.

[25] Cf. J-M Vivenza, A doutrina da reintegração dos seres, La Pierre Philosophale, 2012, (2ª edição 2013). A quase totalidade do conteúdo foi traduzida e incluída na obra em espanhol “Da reintegração da matéria e dos corpos gloriosos”, GEIMME, Ed. Manakel, Madrid, 2013.

[26] Regra maçônica, conforme usada pelas lojas reunidas e retificadas, adotada no Convento de Wilhelmsbad, impressa em 1782, B.M.L. Ms 5458-04b, Art. II, § I, “Imortalidade da alma”.

[27] A hipótese da queda dos anjos foi considerada pelos comentaristas das Escrituras como possivelmente presente no enigmático trecho do sexto capítulo do Gênesis, no qual se diz que os “bené ‘èlohim” (filhos de Deus) foram seduzidos pelas “filhas dos homens” e as tomaram por esposas. Alguns autores, em sua análise dessas estranhas linhas, optaram por evocar a corrupção dos anjos: “E aconteceu que, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram formosas, e tomaram para si mulheres de entre todas as que escolheram. Então disse o Senhor: ‘Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem; porque ele também é carne; porém os seus dias serão cento e vinte anos’. Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus se uniram às filhas dos homens, e delas geraram filhos; estes eram os heróis que houve na antiguidade, os homens de fama.” (Gênesis, 6:1-4)

Referências bibliográficas

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