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Oração e Caridade nº 22

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O caráter operativo do Regime Escocês Retificado e sua vocação espiritual

 

Título original:
“EL CARÁCTER OPERATIVO DEL REGÍMEN RETIFICADO Y SU VOCACIÓN ESPIRITUAL”
Autor:
Jean-Marc VIVENZA
Publicado em:
G.E.I.M.M.E., Boletín informativo n° 47, 21 de Septiembre 2015
Tradução:
João Dias Neto
Gran Priorato Rectificado de Hispania

O CARÁTER OPERATIVO DO REGIME ESCOCÊS RETIFICADO E SUA VOCAÇÃO ESPIRITUAL

Por Jean-Marc Vivenza

Uma ideia recorrente e muito generalizada aparece com frequência acerca do Regime Escocês Retificado, ideia que encontra abrigo na caneta de muitos autores, dos mais notáveis inclusive, que afirmam a ausência total do elemento “Operativo” dentro do sistema elaborado por Jean-Baptiste Willermoz. Esta opinião se fundamenta em parte na vontade declarada, e claramente anunciada, do fundador do Regime de não introduzir os elementos diretos da Teurgia “Martineziana”, incluindo a parte superior da Ordem, sobre isso, nos limitamos a informar que é exato, seu desejo era realmente este por múltiplas razões, entre as quais a principal e de caráter extremamente delicado e complexo, tendo em vista que em tais domínios reservados somente alguns espíritos de excepcional solidez podem se aventurar sem o risco de verem-se surpreendidos por forças desconhecidas que eles mesmos despertam e manipulam, e que se tornam difíceis de dominar, sendo o mais comum que se convertam em marionetes ou escravos de tais forças.

Por outro lado, declarar categoricamente a inexistência de todo aspecto “Operativo”, quando se quer considerar unicamente que a Teurgia não está presente, e muito menos o conjunto e a totalidade da Obra Espiritual, é um erro que se convêm corrigir com determinação, pois esquece profundamente grandes perspectivas transcendentes do sistema adotado em 1782 por ocasião do Convento de “Wilhelmsbad”, perspectivas que recorrem, inegavelmente, a uma Ordem em todo caso singularmente “Operativa”, ao menos e dado a este termo o seu significado preciso, tendo em vista que uma “Operação” divina é o que se pratica no contexto dos trabalhos que se desenrolam no seio do Regime Escocês Retificado.

I. A Tríplice estrutura do Templo e do homem

Retomado, mais uma vez, o venerável emblema do Templo a fim de conferir a este a plena e legítima dimensão que lhe corresponde, Willermoz julga necessário, como comprovamos, conduzir os Irmãos do Regime de um conhecimento exterior do Edifício Sagrado onde se celebraram as Glórias do Eterno a uma íntima percepção de seu caráter interior, e do valor diretamente pessoal que se aplica a cada homem que caminha até o final de sua total reconciliação. No entanto, a secreta convicção de Willermoz, que o mesmo procura transmitir nos Rituais por um sábio e metódico uso repetitivo das verdades da Sagrada Escritura, consiste na certeza de que o homem, tendo sido criado a imagem e semelhança de Deus, foi também modelado de acordo com os mesmos princípios que o Templo, mostrando-nos sua forma corporal em primeiro lugar uma divisão idêntica em três partes como o lugar santo dos Hebreus (Pórtico, Templo e Santuário), reproduzindo-se de forma paralela e aplicando ao homem o uso das mesmas leis: “O templo universal divide-se em três partes, que sempre foram diferenciadas pela Sabedoria sob os nomes de Terrestre, Celeste e Supra Celeste. Da mesma forma que o [Templo] de Salomão estava dividido em três partes diferentes por sua posição, forma e uso particular, a saber, o pórtico, o templo interior e o Santuário. Assim também o corpo do homem está dividido em três partes bem diferenciadas, que são o ventre, o peito e a cabeça.” (Instrução Secreta).

Seguindo sua hábil analogia, Willermoz nos faz entrar na compreensão sutil dos princípios e regras que devem ser observados para que se entre no recinto Sagrado: “Os limites do Universo criado o separam para sempre de uma imensidade incriada e sem limites, que os grandes sábios denominaram Imensidade Divina. Ela está oculta aos olhos da natureza sensível e só pode ser concebida pela inteligência. Igualmente no centro do Santuário estava o Santo dos Santos, o Oráculo, que ficava oculto aos olhos do povo, inclusive dos Sacerdotes. Somente o sumo Sacerdote ali podia entrar uma vez ao ano para adorar a Majestade Suprema em nome da nação inteira; e se, por acaso, fosse bastante imprudente para apresentar-se ali sem estar devidamente preparado por todas as purificações estabelecidas, espirituais e corporais, corria perigo de morte.” (ibid). E precisamente a partir desse feito, apoiado na necessidade de purificação do celebrante que tem o desejo de remover o véu que separa as outras partes do templo do Santo dos Santos, que se desenvolvera todo o Ministério Espiritual atribuído aos Irmãos avançados da Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa.

II. A realização da obra de purificação obtida através da prática das Virtudes

A Obra de Purificação se impõe como a “Via” por excelência que propõe o Regime Escocês Retificado a seus membros, “Via” representada sob a forma de um caminho que se remonta até a essência primitiva da qual o homem se afastou por sua queda, de uma lenta ascensão até o centro da criação que foi estabelecida por nosso primeiro pai, enquanto agente imediato da Divindade, em um estado de glória e perfeição, escreve Willermoz: “Portanto, deve hoje, para retornar a esse centro do qual caiu, retornar pelo mesmo caminho e pagar a cada um de seus principais agentes o tributo de expiação e de justiça que lhes é devido e que o homem deve começar a pagar aqui em baixo, ainda que não consiga satisfazer plenamente tais tributos tendo em vista estar ligado a esta forma de matéria que continuamente o expõe a novos perigos. Seu trabalho aqui em baixo é o de purgar com muito cuidado os ‘sete vícios’, ou pecados capitais, opositores das sete virtudes através das quais poderá adquirir os Sete dons do Espírito.” (As Lições de Lyon, n° 103, quarta-feira 23 de Outubro de 1776, W).

Compreende-se assim de modo muito mais claro por que as sete virtudes (quatro cardeais e três teologais) ocupam um lugar central nos Rituais da Ordem, e o sentido da insistência firme que se impõe nas instruções por perguntas e respostas dos diferentes graus, destacando-se a importância das virtudes específicas atribuídas a cada classe iniciática, até que o Irmão chegue, no final de seu itinerário simbólico, diante do monte Sião onde encontrará, em sua parte superior, luminoso e radiante, o Cordeiro de Deus, o “Agnus Dei”, rodeado pelos sete selos de que fala o Livro do Apocalipse, ou seja, os sete selos que mantêm fechado o Livro da Revelação: “Eu vi também, na mão direita do que estava assentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos. Vi então um anjo vigoroso, que clamava em alta voz: Quem é digno de abrir o livro e desatar os seus selos? Mas ninguém, nem no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro ou examiná-lo. Eu chorava muito, porque ninguém fora achado digno de abrir o livro e examiná-lo. Então um dos Anciãos me falou: Não chores! O Leão da tribo de Judá, o descendente de Davi achou meio de abrir o livro e os sete selos.” (Ap., 5:1-5).

Podemos ver aqui o essencial que compõe esse lento trabalho de Purificação, de “Retificação”, e até que ponto intervem diretamente na possibilidade, para o Irmão consciente do caráter próprio de sua missão, de se ver contar entre os eleitos do Senhor e de ser digno de figurar, segundo a vontade de Deus, no interior do livro que guardam os sete selos, sabendo que só poderá contar, para ajudar-lhe em seu trabalho e em sua obra, com a “força” do Leão, Leão protegido por uma pedra, ou seja, havendo nascido no portal de Belém e igual ao que nasce de dentro de cada pedra bruta onde a Luz da Verdade atravessa a grossa rocha da materialidade; adorável Leão da tribo de Judá, o Cristo Nosso Senhor que venceu por nós o poder das trevas, que abriu os sete selos e que nos libertou definitivamente das cadeias da prevaricação.

Desta forma, as progressivas Operações de Purificação que se propõe realizar o Regime Escocês Retificado, tomando o tempo adequado para tais trabalhos, respeitando as capacidades e a projeto particular de cada um, estão longe de serem desconsideradas posto que intervem diretamente na eventual celebração para qual é convidado o discípulo do Divino Reparador, celebração que permitirá ao Irmão adentrar a porta do Santuário, onde lhe será revelado o Altar dos Perfumes sendo-lhe possível oferecer seu incenso ao Eterno: “O homem bem purificado é o único Sumo Sacerdote que pode entrar no Santuário da inteligência, compreender sua natureza, fortalecer-se através dela, e render em seu próprio Templo uma homenagem pura a aquele do qual é imagem. Porém, se descuidado, não se purifica antes de se prostrar diante deste Altar, as espessas trevas da matéria o cegarão, e encontrará a morte de onde deveria extrair a vida.” (Instrução Secreta).

III. A efetiva “operatividade” do Regime Escocês Retificado

Poder-se-á dizer depois de tudo isso que o Regime Escocês Retificado está isento de todo aspecto “Operativo”, que não possui nenhum elemento de natureza pratica apesar de ser um autêntico seminário onde são ensinadas e postas em prática as bases de uma verdadeira Purificação Espiritual?

Certamente é mais provável que seja mais agradável a criatura vaidosa manipular cegamente os elementos etéreos, invocar as potências intermediárias e os espíritos angélicos, livrando-se das praticas invocatórias e contrariando todos os pré-requisitos necessários antes de se lançar a tais exercícios extremamente perigosos. Na realidade, é sob o campo da espiritualidade que podemos estar seguros, longe da vã curiosidade, do orgulho e da presunção do homem caído que se dá a prática deste tipo de trabalhos duvidosos totalmente desprovidos de interesse iniciático real, se não estão precedidos por uma poderosa purgação das escórias do velho homem.

É por isso que, de modo Cristão e sábio, Jean-Baptiste Willermoz nos convida a única Teurgia que é essencial e primeira, a que deve intervir sobre o altar privilegiado e superior que reside no homem, a saber: seu coração. Nos pedirá, com paciência e temperança, que nos consagremos em primeiro lugar a reforma vital de nosso ser pelo caminho oculto, silencioso e secreto da humildade, da renúncia e da oração. Via reta e absoluta de santificação, único caminho assegurado para nossa profunda reconciliação com o Eterno: “Humilhar-se, vigiar sobre si mesmo e orar são pois os deveres principais de todos os membros da Ordem. A oração deve ser vocalizada, deve ser a expressão da palavra de poder que constitui a semelhança Divina no homem. Ela deve ser precedida de um exame de conduta, de uma confissão dos pecados, da apresentação de suas necessidades acompanhada da solicitação dos auxílios necessários.” (Lições de Lyon, n° 103, quarta-feira, 23 de outubro de 1776, W.)

Este é o método do Regime Escocês Retificado, a obra própria e específica do sistema querido por Willermoz que, por ser austero, não por isso deixa de conter as ferramentas essenciais para se proceder a uma verdadeira reconstrução do ser, para restabelecer a plenitude da graça de Deus introduzindo-lhe na comunhão, infelizmente perdida, com o Eterno. Não seria esta uma operação de vital importância, uma operação sem a qual absolutamente não é possível esperar penetrar os Mistérios Divinos? A resposta é evidente e nada poderá lhe pôr em cheque, pois ela se impõe a si mesma. Porém, como ousar pretender, por conseguinte, que o Regime Escocês Retificado esteja desprovido de toda dimensão “operativa” e que não é detentor de práticas espirituais fundamentais? Sendo exatamente o contrário, a saber, o Regime Escocês Retificado é, em si mesmo, em toda sua estrutura piramidal e hierárquica, em seus diferentes níveis, quando sendo vivido correta e fielmente, uma profunda e penetrante “operação” de purgação salvífica, de reconstrução regeneradora, de despertar da criatura a verdadeira Fé, uma via efetiva de soberana santificação.

Por outro lado, e se percebe aqui toda exigência de sua vocação a “Benfeitora” caridade, não e uma questão de esperar, na concepção de Willermoz, os últimos graus da Ordem para receber os meios que se ocultam ao Aprendiz mais Jovem, posto que o Regime, em razão de seu caráter Cristão, induz imediatamente ao novo Irmão a compreensão das realidades divinas que lhes são acessíveis desde o instante que recebe a Jesus Cristo como seu Salvador, pondo-se nas mãos do Redentor e trabalhando na morte da natureza pecaminosa nele mesmo. De fato, depois do Sacrifício de Nosso Senhor sobre a Cruz, as promessas de vida eterna são oferecidas a todo o homem que nasce de novo, quer dizer, não segundo a carne e o sangue, senão em espírito e em verdade. E, deste ponto de vista, a única autoridade, a única regra, é a Lei do Céu, a Palavra revelada do Reparador, unicamente ela ordena e dirige, em essência, os trabalhos da Ordem.