Lições de Lyon aos Elus Coën [1]
Instrução de quarta-feira, 18 de setembro de 1776.
DEFINIÇÃO DE INTELECTO BOM E INTELECTO MAU
Por Jean-Baptiste Willermoz
É o conhecimento que o homem adquire por meio da comunicação do pensamento bom ou mau, iluminado pelo espírito. Retendo a impressão, detém-se à contemplá-la, assim como qualquer ato ou discurso bom ou mau de um homem, apreciado ou compreendido por outro homem, que torna-se para este um intelecto sensível de ação sobre a qual ele retém a impressão se a contemplar com complacência. O homem não pode ser preservado de receber maus intelectos, que nada mais são do que a comunicação ou conhecimento do pensamento mau, habitualmente iluminado pelo espírito maligno, mas ele pode defender-se de reter essa impressão se, em vez de contemplar com curiosidade, se sentir disposto a respondê-la.
A comunicação ou conhecimento do mau pensamento iluminado pelo espírito maligno é o que se convencionou chamar de tentação, do qual indicamos que o homem não pode defender-se por causa das relações íntimas encontradas entre seres da mesma natureza, relações que estabelecem reciprocamente essa relação. Essa comunicação que denominamos tentação, será mais ou menos frequente conforme sejam maiores as relações mútuas ou análogas. Daí se deduz, que o homem que se diverte contemplando com complacência ou curiosidade essa comunicação involuntária, ou o conhecimento que daí resulta, ficará muito exposto a reter essa impressão; como punição pelo que começa com um abuso de sua liberdade e que logo causará o movimento de sua vontade se não estiver disposto a rejeitar o conhecimento que adquire do mau pensamento, pela comunicação que lhe dá o espírito que o iluminou, ele cairá em sofrimento, embora o contato natural entre eles não seja destruído, pois é eterno; no entanto, pode enfraquecer consideravelmente as relações de pensamentos. Digo enfraquecer, e não destruir, porque depois que o homem teve a infelicidade de provar do fruto proibido que lhe deu o conhecimento do bem e do mal, estabeleceu essa infeliz comunicação entre ele, que é bom por natureza, e o princípio que se tornou mau, subsistindo durante toda a duração temporal. Resulta disso que é impossível que o homem não seja tentado, visto que o conhecimento do mau pensamento é uma tentação; que foi provado pelo próprio Cristo, quando uniu sua divindade à nossa humanidade, expondo-se por esta união, como qualquer outro homem, à tentação do princípio do mal.
Há observações importantes a fazer sobre a maneira como o Criador procedeu na punição do homem que se tornou culpado, uma vez que manifesta sua justiça e sua misericórdia. Digo justiça, primeiramente, porque exige uma pena proporcional à enormidade do crime e ao seu próprio gênero como tal. O homem abusou de seu poder e mereceu cair, ou seja, mereceu que o poder que lhe era inato e que não pode ser destruído, porque é obra imutável do Criador, fosse suspenso até seu merecimento por seu arrependimento e seus esforços, depois de apaziguar a justiça e readquiri-la em absoluto, ou em parte. Digo misericórdia porque irrompe no próprio gênero do castigo.
O homem, estabelecido pelo Criador como Homem-Deus na Terra, ocupava o centro da criação universal, onde exercia seu poder. Do centro celeste precipitou-se para o centro terrestre, vindo imediatamente a rastejar sobre sua superfície. Seu corpo glorioso foi transmutado em um corpo material que se tornou sua prisão, obstruindo, por assim dizer, todos os órgãos espirituais dos quais os sentidos materiais são apenas imagens. Esta transmutação da forma do primeiro homem encontra-se designada nas Escrituras pela nudez corporal da qual, ao se perceber, envergonhou-se. Sua queda do centro celeste é designada pelas palavras da Escritura: “Expulsemos o homem daqui, para que não coma da árvore da vida e, não comendo, não viva para sempre”.
Esta passagem, que pareceu obscura aos intérpretes, servindo de pretexto para os incrédulos rotularem o Criador de injusto, pelo contrário, é um dos maiores testemunhos da sua misericórdia para com o homem, e para julgar, comparemos o crime dos primeiros espíritos prevaricadores com o do primeiro homem, e comparemos o castigo destes primeiros com o do segundo, e veremos que o homem se tornou de fato, ainda mais culpado do que eles, sendo de alguma forma também mais desculpável, de modo que a misericórdia divina se manifesta mais sobre ele na própria escolha do gênero da punição.
Os primeiros espíritos emanados da Imensidão Divina conheceram verdadeiramente a potência de criação futura das causas terceira e quarta, inatas no Criador, mas não receberam nenhuma potência nem verbo de criação. A usurpação que quiseram fazer dessa potência é então uma revolta absoluta sem desculpa possível. É o efeito de sua própria vontade, pois até então não havia nem mal nem o princípio do mal que pudesse seduzi-lo. Tornaram-se culpados consciente e voluntariamente, sendo o seu crime cometido na Imensidade Divina, o lugar mais puro que se possa expressar. Eles não consumaram o crime no ato por: 1º, o Criador puniu sua vontade má imediatamente após sua concepção; 2º, porque não tendo concebido o verbo ou potência de criação, o ato teria sido impossível.
Eles foram precipitados no espaço da criação universal temporal que se formou instantaneamente para contê-los e separá-los da corte divina. Conservaram para sua punição toda sua potência espiritual convertida em má, mas foram sujeitados a não poder exercê-la mais do que dentro dos estreitos limites dessa criação temporal, sem qualquer comunicação direta com o Princípio do Bem, que os havia afastado de sua presença. Eles foram, portanto, mortos para o bem, mas levaram para a prisão um ramo da Árvore da Vida, retendo o funesto poder de viver constantemente no mal e de comunicar essa vida espiritual maligna. Queriam dividir a unidade, mas era impossível, e como punição eles se tornaram uma unidade sujeita, oposta e limitada que encontrará sua punição e seu suplício nos atos impotentes dessa unidade maldita. O Criador eterno, depois de expulsá-los de sua corte, permaneceu para sempre como mestre e centro eterno da imutável Unidade Divina, princípio de todo bem, pensamento, vontade e ação espiritual bom, e do alto de sua glória, onde sua unidade indivisível preside tudo o que existe e sempre existirá, submete o chefe da corte demoníaca a estar fortemente preso no fundo dos abismos daquela criação temporal, de modo que o próprio lugar de sua prisão designa ainda melhor a imensa oposição que se estabeleceu entre essa fictícia e abominável unidade e a eterna Unidade Divina. Assim, do centro da Imensidade Eterna, o pensamento Divino reina e governa através de sua vontade tudo o que existe na natureza universal, assim como quis o Criador que o príncipe da corte demoníaca, do centro dos abismos em que se encontra precipitado, possa reinar e governar por meio de seu mau pensamento e pelos agentes a quem comunicou todo o seu império, de modo que esta triste semelhança, fruto de seu crime, fosse preservado até que o arrependimento o faça cessar. Vemos, portanto, os frutos da Árvore da Vida que ensina, por um lado, os frutos do conhecimento do bem e, por outro, os do conhecimento do mal, ciência que só cessa com o arrependimento de quem a professa, sendo incapazes de arrepender-se por si mesmos, se esse sentimento não for sugerido a eles pelo único ser que tem o poder, que os seduziu desgraçadamente arrastando-os consigo. Sente-se assustado quando concebe, o quanto por sua cegueira e por sua matéria, agravaram seus próprios males, tornando-os quase incuráveis.
Instruções para quarta-feira, 18 de setembro de 1776 e dias seguintes sobre a natureza dos bons e maus intelectos.
Sobre (Aqui estão três linhas em branco que seguem a palavra “Sobre”)
Tudo o que há na natureza espiritual é obscuro e enigmático para o homem, se a sua inteligência não for iluminada pelo Espírito bom. No entanto, ele tem maior interesse em conhecer o menor dos objetos que podem servir-lhe de regra em sua conduta temporal. Se o Criador, ou melhor, o próprio homem, colocou por sua prevaricação um véu impenetrável entre ele e a Divindade, que não lhe permite mais conhecer a essência, ele deve, no entanto, fazer grandes esforços para conhecer sua própria natureza, e as relações que existem entre ele e os outros seres espirituais que, como ele, foram emanados do seio da Divindade. Somos menos miseráveis do que a maioria de nossos semelhantes, já que temos a felicidade de poder ser ajudados neste trabalho pelas instruções da Ordem [dos Elus Coën] cuja autenticidade não podemos negar, assim que conhecemos sua origem. Eles abrangem tudo o que é importante para o homem saber, e se de tempos em tempos deixam nuvens sobre algumas coisas, é a inteligência que deve transpassá-las; e não o alcançará senão com um desejo verdadeiro, uma intenção pura e uma vontade firme de praticar tudo o que eles ensinam. Com tais guias o homem não errará. Se em suas interpretações, muitas vezes se livrando de suas fracas luzes, se desviar da rota que foi traçada, é necessário que tenha a boa fé de reconhecê-la em seu estado e tenha a coragem de voltar à sua bússola. Então se sentirá confortável no caminho certo. Dentre tantos assuntos que constam em nossas instruções gerais, nos concentraremos hoje em examinar aquelas que tratam da natureza dos intelectos bons ou maus, buscando uma definição exata.
Alguns quiseram pensar que o intelecto bom ou mau era um ser real e diferente do espírito que o utiliza, e que o liga de maneira fixa ao homem, a quem se dirige, de modo que, apesar de todos os seus esforços, estará sempre manchado pela presença daquele inimigo de sua felicidade. Esta opinião deve ser combatida, pois é extremamente perigosa devido às suas consequências, uma vez que tende a desencorajar e talvez mesmo a desesperar o homem ou a persuadi-lo de que não é responsável pelas impressões que os intelectos lhe transmitem, uma vez que não foi capaz de defender-se de recebê-las, nem pode impedi-las de habitá-lo, sendo a impressão em que atua é uma sequência inevitável da permanência do ser que a produz.
Para definir bem o intelecto bom ou mau, voltemos às fontes ou princípios do pensamento bom ou mal.
Todos os seres espirituais emanados ou por emanar, existiam desde toda a eternidade no seio do Criador, o que nos dá uma ligeira ideia de sua Imensidade Divina que tudo contém, e não pode ser coeterna. Não possuíam o gozo de nenhuma faculdade pessoal, não podiam agir ou sentir senão que pela vontade exclusiva do Criador, para quem tudo era transformação. Ora, esse modo de ser não pode ser chamada propriamente de existir. Sua verdadeira existência não começa até o instante em que o Criador, por um ato de vontade e de sua própria potência, os tira de seu seio para dar-lhes uma distinção pessoal de faculdades, de vontade e de ação. Portanto, embora sejam coeternos com Deus na natureza, uma vez que estão contidos em Deus desde a eternidade, eles adquirem uma eternidade pessoal futura, já que não provêm do próprio princípio da vida, do único ser imutável que pode comunicá-lo; porque não é possível que o ser que recebeu a vida da própria vida, possa ser destruído. Você pode encontrar, é verdade, a morte espiritual, se desviar-se da sua lei, mas nunca da sua existência. A morte espiritual nada mais é do que a separação do ser espiritual de seu princípio, como a morte corporal, que é uma fraca imagem, é a separação do corpo material da alma que o governava. Mas este ato de emanação deve ter sido imediatamente acompanhado por uma lei geral à qual todos os seres emanados estariam indispensavelmente submetidos para permanecerem na unidade.
Não vou falar aqui das leis particulares, preceitos e mandamentos que os seres emanados receberam relativamente ao objetivo particular de sua emanação e posterior emancipação, leis que incluam o entendimento das faculdades e das potências de que estão revestidos de acordo com sua missão; falo apenas daquela primeira lei geral universal que se estende sobre todos os seres e classes de espíritos emanados, porque não é possível que um ser, seja ele qual for, não possua um modo particular de ser, e este modo é a sua lei. Vemos então o que essa lei poderia ter sido, e sentiremos melhor a equidade e a necessidade de existirmos. O Criador eterno é uno, por essência, princípio universal de tudo o que existe e existirá. Por natureza, é infinitamente bom, perfeito e poderoso, e por sua própria lei é impossível alterar ou destruir. Se pudesse mudar, deixaria de ser Deus, e para deixar de ser, nunca teria que ter sido (Esta linha encerra a última página da peça, mas o desenvolvimento permanece incompleto, pelo menos no estado de manuscrito).
[1] Les Leçons de Lyon aux Élus Coëns. Recompilação editada por Robert Amadou. Ed. Dervy, París, 1.999. Epígrafes 101 e 102.