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Oração e Caridade nº 22

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Cristianismo Transcendente

Memória dirigida por Joseph de Maîstre ao Duque Ferdinand de Brunswick-Lunebourg, Grão-Mestre da Maçonaria Escocesa da Estrita Observância, por ocasião do Convento de Wilhelmsbad de 1782.

O CRISTIANISMO TRANSCENDENTE

Por Joseph de Maîstre

Finalmente, chegamos ao 3º Grau [Classe Secreta] que tem por objetivo o Cristianismo Transcendente. Parece oportuno que a maior parte dos Irmãos, cujas luzes e talentos os tornam dignos no Segundo Grau, passem infalivelmente ao Terceiro, porque todo homem instruído na fé cristã ficará necessariamente encantando por encontrar a solução das diferentes penosas dificuldades nos conhecimentos que possuímos.

Os Irmãos admitidos na Classe Superior terão por objeto de seus estudos e reflexões mais profundas as investigações de fato e os conhecimentos metafísicos. Este não é o lugar para examinarmos até que ponto se pode estabelecer pelo simples raciocínio a verdade da doutrina que professamos. Mas não é estranho que o descobrimento dos fatos possam proporcionar-nos os maiores motivos para a credibilidade? Tudo é mistério nos dois Testamentos, e os eleitos de uma ou de outra Lei não eram outra coisa senão que verdadeiros iniciados. Há que se questionar a esta venerável antiguidade e perguntá-la como ela entende as alegorias sagradas. Quem pode duvidar que este tipo de investigação pode nos proporcionar as armas vitoriosas para lutar contra os escritores modernos que obstinadamente enxergam nas Escrituras apenas um sentido literal? Estes escritores, são facilmente refutados pela expressão “Mistérios da Religião” que nós empregamos todos os dias sem entrar em seu significado. A palavra “mistério”, no princípio não significava outra coisa que a “verdade velada por modelos” por aqueles que a possuíam. Foi somente por extensão e, por assim dizer, por corrupção, o motivo pelo qual se empregou essa expressão a tudo o que está oculto; a tudo que é difícil de compreender. É nesse sentido que dizemos agora que a geração é um mistério e que Marco Aurélio costumava dizer que “a morte é, tal qual o nascimento, um mistério da natureza”.

Esse sentido do termo “mistério” não era suficientemente significativo para Igreja latina, que passou a utilizar o termo “sacramento” para designar os sete Mistérios por excelência.

Talvez parecerá infinitamente provável a V. A. S. que se nossos teólogos quisessem refletir atentamente que as palavras Mistério, Sacramento, Signo e Figura são rigorosamente sinônimos, prontamente nos levariam a firmar um acordo sobre os pontos que dividem nossas comunhões.

Parece que não há necessidade de um dicionário etimológico para refutar os partidários do “ao pé da letra”. Como poderiam resistir ao sentimento unânime dos primeiros cristãos, que se regiam todos pelo sentido alegórico? Sem dúvida, levaram este sistema bastante longe, mas, seguindo a observação de Pascal, do mesmo modo que os falsos milagres provaram os verdadeiros, igualmente o abuso de explicações alegóricas anuncia que esta doutrina tinha uma base real, da qual perdemos de vista muito cedo.

Com que direito podemos contradizer toda a Antiguidade eclesiástica que nos permite enxergar tantas verdades escondidas sob a forma de alegorias? “Os Antigos intérpretes da Igreja – nos diz Santo Anastácio, o Sinaíta – tem considerado o relato de Moisés sobre a obra dos seis dias de uma maneira alegórica e destacaram várias heresias nascidas unicamente do fato de terem tomado demasiadamente ao ‘pé da letra’ o que o Gênesis relata de Deus e do Paraíso Terrestre”. Outro escritor eclesiástico disse também que “alguns hereges sustentaram que não se devia dar ao Antigo Testamento um sentido místico e alegórico diferente do que oferecem as coisas em si mesmas, senão que, se seguirmos sua opinião, resultaria em muitas coisas absurdas… que deve-se explicar os livros do Antigo Testamento, não somente de forma literal, mas também de forma figurada e alegórica e descobrir-lhe o verdadeiro sentido”.

É ainda mais surpreendente que, sobre este tema, a Sinagoga não pensava de maneira diferente do da Igreja. O historiador Josefo nos adverte, antes de tratar das antiguidades de sua nação, que Moisés já explicou alegoricamente quando o assunto se fez necessário; ele se serviu também das alegorias, ainda que cautelosamente, e do que foi dito somente foi descoberto o que não devia estar escondido; de maneira que nos entregaríamos em um longo trabalho se quiséssemos desvendar tudo o que, nestes livros, é relativo a estes diferentes assuntos”.

Outro testemunho de peso é o do mais sábio e ilustre dos rabinos, o famoso Maimônides, de sobrenome Moses Aegyptiacus. Não os deixeis seduzir – nos disse – por tudo o que os sábios contam sobre o Primeiro Homem, sobre a Serpente, sobre a Árvore da Ciência do Bem e do Mal, sobre as vestimentas que não usavam, e não penseis que esses objetos tenham existido realmente dessa maneira. Jamais estiveram na natureza das coisas. Se prestarem atenção se darão conta da falsidade de tudo o que eles dizem a respeito, e que não imaginaram senão depois de ter conhecimento de nossa Lei e da história da criação; já que o tomaram no sentido literal e forjaram essas fábulas… Não se deve tomar ao pé da letra, como faz o vulgo, o que está contido no Bereshit (Gênesis) ou história da criação. Sem isto, os sábios não o teriam envolto em tantas parábolas, com tanto cuidado, e não teriam ficado tão atentos para impedir que se falasse disto ao povo ignorante. Já que ao tomá-lo no sentido literal, o resultado são os preconceitos que degradam a Natureza Divina e perturbam os fundamentos da Lei, fazendo nascer as heresias…”.

Que vasto campo está aberto aos cuidados e a perseverança dos G. P.…! Que uns mergulhem com valor nos estudos que possam multiplicar nossos livros e esclarecer àqueles que possuímos. Que outros, cujo gênio é dado as contemplações metafísicas, busquem na natureza das coisas as provas de nossa doutrina. Que finalmente outros (e queira Deus que haja muitos!) nos digam o que foi aprendido com esse Espírito que sopra onde quer, como quer e quando quer.