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Oração e Caridade nº 22

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Controvérsia: Dogma das Igrejas e doutrina Martinez de Pasqually

Este texto corresponde à nota 8 da obra intitulada “Martinez de Pasqually e a doutrina da Reintegração – Criação necessária, transmutação do menor emanado e aniquilação da matéria quando os seres retomam ao seu estado primitivo original e poder espiritual divino”. Escrito por Jean-Marc Vivenza, atual Grande Porta-voz do Grande Priorado das Gálias (2012).

CONTROVÉRSIAS ENTRE O DOGMA DA “RESSURREIÇÃO DA CARNE” DAS IGREJAS E A DOUTRINA DE MARTINEZ DE PASQUALLY

Por Jean-Marc Vivenza

Os esforços quase desesperados para tentar salvar, por exemplo (mas muitos outros poderiam ser adicionados), a posição eclesial que proclama e defende o dogma da “ressurreição da carne”, com a concepção Martinezista da criação material, por mais compreensíveis que sejam segundo uma orientação que conhecemos bem, e dos quais tivemos as maiores reservas por muito tempo, estão enfrentando um grave problema, de que parecem ignorar aqueles que tentam conciliar o inconciliável, dando lugar a incoerências teóricas que não podem deixar de surpreender pelas acrobacias semânticas a que são forçados quando falam, por exemplo, de uma “carne” para descrever o corpo de glória, destinando a esta “carne”, como um fantasma terminológico (porque definitivamente não é a carne, mas querem chamá-lo assim), as promessas da eternidade espiritual. Esse exercício improvável carece de validade em relação às teses de Martinez, isso, dito sem animosidade e com amizade, é simplesmente absurdo. Reiteramos firmemente que “uma espiritualização da carne” ou uma “carne espiritualizada pela regeneração”, é uma impossibilidade nos termos de Martinez, a quadratura do círculo, já que a “carne”, no sentido exato dado pelo autor do Tratado sobre a Reintegração, sendo a forma corporal material temporal e terrestre do homem caído “obra [de uma] operação concebida e executada pela obra de minhas mãos sujas” (Tratado, 44), evidentemente nunca foi glorioso nem se beneficia da incorruptibilidade e da eternidade nos escritos de Martinez, razão pela qual não pode ser conferido à forma corporal gloriosa de Adão, “uma forma impassível e de uma natureza superior a todas as formas elementares”, ou adjetivo “carne”, o que é uma contradição radical, tanto no vocabulário martinezista quanto em todas as suas ocorrências, pois carne, isto é, o corpo material é, para o taumaturgo de Bordeaux, tanto no Tratado quanto nos rituais ou textos Coën, uma consequência da prevaricação: “Sem essa prevaricação, não teria havido criação material temporal, tanto terrestre quanto celeste; (…) Conhecereis a necessidade de toda coisa criada, e de todo ser emanado e emancipado” (Tratado, 224).

Portanto, tem-se que ser coerente.

Podemos, nos dois extremos totalmente opostos da corrente, de um lado e do outro:

  1. Aderir fielmente à fé da Igreja em sua apresentação sobre o fato da Criação (vendo o mundo material como uma dádiva, e da mesma forma o corpo carnal do homem) e suas consequências, logicamente com a esperança de uma regeneração da carne e sua vocação para a eternidade através da purificação e espiritualização definitiva de sua essência, simplesmente diminuindo-se e enfraquecendo-se não substancialmente, mas acidentalmente por um tempo por causa do pecado, até a ressurreição dos mortos.
  2. Ou, ao contrário, apoiar-se nas teses de Martinez, assim como fizeram Willermoz e Saint-Martin, considerando que a criação material foi antes de tudo um castigo para os espíritos rebeldes e a carne é um envoltório tenebroso, tendo transformado substancialmente os filhos de Adão em seres de matéria impura, vendo assim a aniquilação das formas corporais durante a reintegração como uma verdadeira libertação e o retorno à Unidade espiritual original.

Ou se não, fatalmente não respeitando a coesão interna das doutrinas, esquecendo voluntariamente o objeto de sua sequência conceitual, cair na armadilha da combinação anárquica, querendo ter, num exercício de evidente falta de lógica, uma origem tenebrosa de composto material criado como punição pela rebelião dos maus espíritos e pelo crime de Adão, “contaminado por uma criação tão impura”, com um destino espiritual da carne fundamentado pelos Padres da Igreja, e em primeiro lugar por Santo Irineu, de quem podemos citar integralmente, sem dúvida alguma, o Livro V de sua obra Adversus haereses, mas para o qual todas as decisões dos concílios ecumênicos onde o assunto foi considerado também poderiam ser vantajosas, em certa medida, o que não muda em nada o problema, já que não leva a outra “coisa” senão à construção de uma abstração conceitual que não é apenas singularmente errônea, mas também absolutamente insustentável, pois não pode ser aceita paradoxalmente nem pela própria Igreja (que se indigna sempre que se discute o carácter “necessário” da criação e rejeita violentamente a ideia de uma “prisão material” que Martinez partilha com Orígenes), muito menos por qualquer Ordem autêntica resultante da herança Martinezista, e obviamente pensamos antes de tudo no Regime Escocês Retificado, que é o único que se conecta diretamente por Willermoz e por uma transmissão iniciática efetiva com o autor do Tratado de Reintegração, e cujas instruções em todos os graus veem a vontade de uma “espiritualização da carne” como quimérica e chamam a alma, desde o estado de Aprendiz, para desprender-se dos “vapores grosseiros da matéria”.

É por isso que esta vontade de reconciliar a posição Martinezista com a fé dogmática da Igreja não faz absolutamente nenhum sentido a nível eclesiástico, nem na iniciação, pois conduz a um impasse categórico sob a forma de uma perspectiva baseada numa análise fadada ao inevitável fracasso. A única atitude coerente, se alguém quiser considerar-se verdadeiramente participante das Ordens das quais se pretende ser membro, é assumir claramente o pensamento dos seus fundadores, questionando-o é claro, trabalhando-o, aprofundando-o, que é o mais desejável, mas sobretudo respeitando-o em suas afirmações e fundamentos essenciais, e não tentar distorcê-los ou transformá-los com deformações teóricas inaceitáveis para fazê-los, através de um exercício improvável, “doutrinariamente compatível” com os ensinamentos da Igreja.

Resta, então, o que é permitido e, sem nenhuma dúvida é preferível quando o conflito se torna muito penoso, a solução de unir-se à Igreja e viver sua fé plenamente de uma forma não esquizofrênica. Acreditamos, porém, que outro caminho é possível, o de admitir a diferença doutrinária, reconhecendo-a honestamente, e considerá-la como uma “particularidade especial” postulando a incompatibilidade entre a fé e a antropologia platônica no seio da esposa de Jesus-Cristo. Se a ideia de universalidade significa alguma coisa – e as divergências entre correntes tão opostas (agostinianos, tomistas, escotistas, etc.), incluindo a Economia da Salvação, dentro do catolicismo é um bom exemplo – por que o Iluminismo místico, que volta a sustentar as teses de Orígenes após a cristianização de Martinez operada por Willermoz e Saint-Martin nas Lições de Lyon (1774-1776), não teria ele a possibilidade de um lugar humilde, com sua singularidade, dentro da casa do Pai? Estamos convencidos de que uma resposta que não está fechada a priori pode ser dada a esta questão, não aderindo-se à ideia de que a metafísica grega é totalmente contrária ao cristianismo, que deixamos de apoiar há muito tempo, e é sobre isso que teremos a oportunidade de voltar a explicá-lo com mais detalhes em um texto futuro: “Por um retorno às origens”.