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Oração e Caridade nº 22

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A Ciência do Bem e o Caminho da Virtude: Reflexões sobre a Espiritualidade e Ética

ago 20, 2024Artigos, Doutrina0 Comentários

Imagem conceitual representando o caminho da virtude e a iluminação espiritual, relacionada à ciência do bem e à ética.

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DO PAPEL DA VIRTUDE
[OU A “CIÊNCIA DO BEM”]

Por Jean-Marc Vivenza

Imagem conceitual representando o caminho da virtude e a iluminação espiritual, relacionada à ciência do bem e à ética.

De seu artigo “A Ciência Iniciática do Homem”,
publicado no Boletím nº26 do GEIMME, de setembro de 2010.

Não há dúvida de que “a ciência dita do bem” é essencial para a virtude, pois como faríamos o bem sem conhecê-lo? É uma razão que se pode dar a favor do princípio de Platão, mas não basta para justificá-lo completamente, já que Platão não disse apenas que o conhecimento é indispensável para a Virtude, mas que é a própria virtude.

O problema delicado é que apenas conhecer o Bem não é suficiente, é preciso desejá-lo. E talvez, não apenas desejá-lo no geral, mas esforçar-se em cumpri-lo; e é este esforço que se pode considerar como sendo a fonte da ética humana; “Video meliora proboque, deteriora sequor” (vejo e aprovo o melhor, faço o pior) disse Medéia de Ovídio, e Racine, traduzindo São Pablo, escreveu também: “Não faço o bem que amo, faço o mal que abomino” (Racine, Cântico Espiritual, Hino do Breviário Romano, A paisagem oi passeio de Port-Royal-des Champs, Gallimard, 1999).

Assim podemos dizer, de forma geral, que se em todos os homens há uma parte negativa que procede da ignorância, também há outra que vem da vontade. Lutar contra as debilidades da vontade e iluminar as trevas da ignorância, estes são os dois grandes princípios da via iniciática que, então, e somente então, pode realmente ser um “caminho de conhecimento e de espiritualidade”. 

A visão do caminhar virtuoso (“Só a virtude devolve o homem à Luz” – Ritual do Grau de Aprendiz do Regime Escocês Retificado), parecia aos estoicos uma renúncia aos desejos vãos, um desapego e uma tranquilidade de espírito. Para o sábio estoico, não é suficiente desapegar-se das paixões, é preciso separar-se da fonte das paixões, isto é, das influências externas que semeiam a confusão no coração do homem. O espírito deve resignar-se à solidão. Mas isso é suficiente? De forma alguma, pois a fonte das paixões está na sensibilidade. Terá que ser esgotado descartando ao máximo os sentimentos. Mas não será a própria inteligência o início de mil ilusões e desordens? A dúvida, o orgulho, etc… Arranquemos então esta raiz doentia, pede e exige o sábio. O que resta disto? Eu e minha vontade. Vã ilusão! Enquanto o eu subsiste, o amor-próprio continua a viver e a prosperar nele, e sabe como assumir as formas mais mutáveis e menos reconhecíveis, em vez de morrer para si mesmo. Posição angustiante e difícil – talvez insustentável – de morrer para si mesmo, é isso que é verdadeiramente sábio para o discípulo de Epiteto, é a única sabedoria possível. A sabedoria estoica parecia querer suprimir os instrumentos da primavera ilusória, destruir a atividade discriminatória em si mesma e fazer do homem, antes do seu tempo, o que os mestres orientais denominam de “uma árvore morta”.

Joseph de Maîstre também esclarecerá que “a Redenção, não estando concluída, não mudou milagrosamente a natureza das coisas, se é verdade que nos restitui o direito de entrar na posse da herança perdida, não nos isenta de as condições necessárias para reconquistá-lo”. E, destas condições, a mais importante que compromete toda a existência do buscador é a morte do velho homem, que ocorre quando o homem aceita em ver-se tal como é.

Numa belíssima carta a Willermoz, Saint-Martin dá-nos o exemplo perfeito das disposições que devem presidir aos nossos corações se quisermos avançar com seriedade e autenticidade no caminho espiritual: “Lhe reitero minhas súplicas para que me ajude a afastar de mim o que poderia me prejudicar. Ilumina-me sobre os defeitos de meu coração, sobre os erros de meu espírito e de minhas obras. Amo o bem, amo a verdade, Deus o sabe e para meu próprio interesse não hesitarei um só minuto em deixar de lado tudo o que me indiqueis como prejudicial à atração que sinto pela luz e pela virtude. (…) Trace-me o meu caminho, pronuncie a minha sentença, sofrerei meu julgamento sem murmurar.” (29 de abril de 1785).

Esta magnífica disposição da alma, expressa por um indiscutível mestre do espírito, é capaz de operar uma abertura através da criação, de modo que a luz penetre na alma: “O que é um homem essencial?” perguntou Jacob Boehme (1575-1624) a este respeito; “É um homem em quem o espírito abriu uma brecha”, respondeu ele mesmo. Leiamos, a este respeito, a bela passagem traduzida por Louis-Claude de Saint-Martin de “A Aurora Nascente”, a primeira das obras escritas pelo visionário de Görlitz, na qual nos explica a passagem da Luz no seu espírito: “Mas quando nesta aflição, uma ardente e violenta impetuosidade arrastou para Deus meu espírito, do qual eu tinha pouco ou nenhum conhecimento, e todo meu coração, minha afeição, todos os meus pensamentos e todas as minhas vontades foram reunidas com a intenção de exprimir implacavelmente o amor e a misericórdia de Deus e não libertá-lo até que me abençoasse, isto é, ilumine-me pelo seu espírito santo, para que eu possa compreender a sua vontade e libertar-me de meu tormento, então o espírito abriu a sua brecha. (…) Após grandes assaltos, meu espírito penetrou através dos portões infernais até a geração mais íntima da divindade, e lá foi abraçado pelo amor, como um esposo abraça sua amada esposa. Quanto a este tipo de triunfo no espírito, não posso descrevê-lo nem pronunciá-lo; isso não pode deixar de figurar como se a vida fosse engendrada no meio da morte; e isso se compara à ressurreição dos mortos. Nesta luz, meu espírito viu imediatamente através de todas as coisas e reconheceu em todas as criaturas, nas plantas e na grama, o que Deus é, e como ele é, e qual é a sua vontade. Além disso, naquele momento, naquela luz, minha vontade foi conduzida por um grande impulso a descrever o Ser de Deus.” (A Aurora Nascente, XIX; 10-13).

Esta abertura, esta brecha feita em seu espírito, Boehme vê como a obra do Senhor, o princípio do processo de renovação completa do ser, o começo do novo nascimento sem o qual não há verdadeira vida espiritual. Se Boehme concorda com a ideia da plena eficácia da redenção obtida pelos pecadores, de uma vez por todas, durante o sacrifício sangrento e único do Cristo sobre a Cruz, isto é, a posse da inteira libertação dos homens das consequências dos seus pecados e do dom gratuito da Salvação para aqueles que aceitam Jesus como Salvador, considere, contudo, que esta graça sobrenatural, para ser eficaz, deve imperativamente ser recebida por um homem transformado e regenerado. O estado de morte espiritual em que os homens se encontram diante do Deus Santo estabelece com efeito tal separação, tal distância intransponível entre os seres e a divindade, entre as miseráveis criaturas culpáveis e o Deus Santo, que não basta saber que se é salvo pelo efeito de uma recepção passiva do poder redentor do Cristo, é preciso necessariamente renascer consciente e voluntariamente para uma nova vida.

É verdade que o perdão dos pecados foi perfeitamente alcançado no Gólgota, pois o Senhor Jesus se entregou como uma puríssima, muito humilde e adorável vítima propiciatória, “o Cristo morreu por nossos pecados” (1 Coríntios, 15:3). E neste sentido, a obra de salvação já não espera, ela já se realizou. Mas resta ao homem aceitar deixar-se gerar segundo “outra ordem de coisas”, segundo a ordem sublime e inefável do espírito.

É importante, portanto, para cada um, e este poderia ser o sentido da via iniciática, passar do caminho da redenção ao da iluminação, ou seja, concreta e realmente, abrir-se ao fogo transformador, regenerador e desordenador do Espírito em nós.

Aceitar ser “transpassado” pelo Espírito, aceitar percorrer o caminho da iluminação, deixar-se atravessar pelo Espírito, é assim como se compromete verdadeiramente o ser na direção da Luz, é ousar a “descriação” segundo a bela expressão de Simone Weil (1900-1943) dos limites que dificultam a recepção das luzes do Ser, pois, voltando à palavra de Nicolás Berdiaev 1874-1948, “Se o homem espera o nascimento de Deus nele, Deus espera o nascimento do homem nele. E é a partir desta profundidade que deve ser colocada o problema da criação” (Autobiografia, 1968), problema extraordinariamente misterioso da verdadeira criação que é o da geração espiritual.